Esfíngico Frontal Group Show

Apresentação

Há um mistério por trás de tudo.

Há um mistério que se faz e se desfaz, circulando em nossas veias, entre nossas vísceras, indo e vindo da ponta dos dedos a cada fio de nosso cabelo. E também está lá fora, em tudo o que nos cerca: da superfície terrestre às esferas dançantes no firmamento. Esse mistério, que pulsa em nossa garganta e encobre a soma da biomassa, está nas matas e também nos desertos; está no aguaceiro denso — prestes a desabar do céu sobre nossa cabeça —, e no solo quente que racha sob nossos pés. Está num golpe que entra, está num raio que rasga a noite. Nas pedras e nas inscrições dos povos antigos, bem como no reflexo da luz branca numa chapa de metal em movimento autônomo. Está em tudo que há de indizível na natureza orgânica que podemos pegar com as mãos, e, sobretudo, naquilo que não identificamos com os sentidos, que não encontra eco em nossas experiências. Da densidade matérica às cores ácidas que emergem como vapor de uma usina nuclear; da energia do nascer do dia à imensidão do crepúsculo; das assombrações à redenção, é sempre esse enigma que se reinventa a cada instante e que pode se instaurar em qualquer canto do mundo, ou emergir de dentro de nós. Esse enigma que desafia a todos, recompensando os tenazes, abocanhando todo o restante.

Esta exposição investiga como os mistérios universais são atualizados sob as urgências contemporâneas, instaurando um campo para refletir — investido de todo nosso corpo — sobre nossa condição atual. Ao partir do hibridismo enigmático da esfinge — metade humana, metade fera —, aborda o problema que nos constitui de modo frontal. A esfinge, astuta e ambígua, cuja boca implacável está sempre aberta para devorar aqueles que falharem ao decifrar seus enigmas, serve de síntese para paradoxos vitais, como uma chamada final antes de um gesto fatal.
Uma versão modificada, robótica e anabolizada dessa criatura pode revelar como questões onipresentes se dão no chiaroscuro deste século. Diante de avanços tecnológicos ofuscantes, de múltiplas mudanças ambientais e sociais, e de uma intensa sequência de hecatombes ao redor do globo, o projeto reúne obras que ativam discussões sobre os afetos e as políticas que envolvem dinâmicas da corporificação, e sobre as formas remodeladas que os enigmas da vida podem assumir atualmente.

Por meio dessa seleção abrangente de trabalhos de diferentes mídias e de artistas de diversos lugares do mundo, surge a complexidade inexorável das condições ecológicas atuais, e temas ligados às mudanças paradigmáticas e aos processos de transfiguração em direção à indescritibilidade radical. São aparições que flexionam os limites da linguagem; formas sem nome que inviabilizam nomenclaturas e categorias, existindo com autonomia ao escaparem à nossa apreensão ontológica e, até mesmo, à nossa capacidade cognitiva. Diante do caráter indecifrável dessas pinturas, esculturas, fotografias, vídeos, instalações e performances, percebemos novos materiais, formas, texturas, cores, movimentos e conexões, experimentando as possibilidades plurais de conferir uma dimensão física ao inefável.

Texto por Germano Dushá.

Obras
Vistas da exposição