Diffusion Marina Perez Simão

Apresentação

Ao tocar os limites da abstração, a pintora brasileira Marina Perez Simão busca criar em suas obras uma sensação de maravilhamento indescritível. Em um mundo onde supostamente sabemos tudo ao simples toque de uma tela, a artista evoca o deslumbramento que surge da experiência de uma sensação antes impensável. Suas pinturas abrem possibilidades para novos estados da matéria, além do sólido, líquido, gasoso e plasmático. A energia expansiva que Simão evoca em curvas ondulantes, conectando cores complexas e contrastantes, parece se difundir por todas as suas obras, tensionando as fronteiras entre uma e outra, e convidando o público a perceber como elas podem estar interligadas. Esse desejo de conectar suas pinturas além das bordas de cada tela pode ser comparado à busca pela unidade presente em muitas tradições espirituais. Se olhássemos suas pinturas no nível atômico, não haveria diferença entre interior, exterior, você, eu ou ela.

Difusão é o movimento líquido de qualquer coisa, desde o átomo invisível até a perceptível disseminação de informações, sendo um processo essencial em todos os seres vivos, pois permite que substâncias entrem e saiam das células. Também é o título da primeira exposição individual de Simão em Paris. Memórias de sua experiência enquanto estudante em Paris, há vinte anos, se difundem em sua vivência no espaço do hôtel particulier do século XVIII que abriga a Mendes Wood DM. A artista descreve essa nova série de trabalhos como o conjunto mais evocativo de "paisagens" em sua produção até hoje. Ela pensa em paisagem mais como a invocação de um espaço ou lugar do que como a descrição de um local existente, e brinca com elementos tradicionais da pintura de paisagem, como o uso de várias linhas do horizonte e a ausência de um ponto de fuga. Entretanto, o uso da palavra “paisagem” para descrever este novo corpo de trabalho parece contraditório, já que a exposição traz um novo formato na orientação vertical (inspirado, em parte, nas proporções verticais da galeria). No entanto, a artista vê o paradoxo como parte de um processo dinâmico de busca por clareza. Ela está sempre pensando no espaço interior e exterior. Aqui, Difusão relaciona-se com as particularidades do espaço da Mendes Wood DM em Paris, que a artista ajusta de forma a evocar a sensação de trabalhar em seu estúdio em São Paulo.

Simão quis transformar a galeria em Paris em um espaço que lembrasse seu estúdio, onde as várias pinturas podem, sim, nos oprimir, mas também nos convidam a estabelecer nossas próprias conexões entre as obras. As pontes mentais e emocionais que construímos entre as pinturas permitem que habitemos confortavelmente um espaço cheio de dissonâncias e transformemos a sensação de caos em ritmo. A exposição ocupa dois andares da galeria e busca confrontar o espectador com um desejo paradoxal de ver todas as pinturas ao mesmo tempo, embora não seja possível vê-las todas de uma vez. Assim como um perfume que se difunde no ambiente, a energia das pinturas de Simão também se espalha, e somos tomados por uma sensação de vastidão. Simão se baseou nas pinturas panorâmicas do século XIX para criar essas obras, refletindo especialmente sobre como a pintura captava a imensidão e o movimento antes do surgimento do cinema. Ela aprendeu sobre isso em seu primeiro ano na École Nationale Supérieure des Beaux-Arts, onde fez um curso sobre a transcendência da pintura pelo cinema e a transcendência do cinema pela pintura. O estudo do desdobramento do tempo, da luz e do movimento, iniciado nesse curso, permanece presente em sua produção duas décadas depois.

Enfatizando luz e movimento, Simão busca criar uma sensação de imensidão por meio de pequenos detalhes, assim como o fragmento de uma imagem do deserto pode transmitir uma sensação de espaço sem fim. Os desertos estão repletos de contradições que atraem Simão em sua reflexão – parecem vazios, mas transbordam de vida; os imaginamos como extensões de um profundo bege monocromático, mas até uma leve chuva pode provocar um “florescimento em massa”, quando as areias do deserto são cobertas por mantos brilhantes de flores silvestres que brotam de sementes dormentes, apenas esperando pelas condições adequadas para ganhar vida. Trabalhando no formato de paisagem e em uma nova série de pinturas verticais e estreitas, a artista desafia o conceito de ilimitado e expande a forma como o olhar pode viajar.

Cada trabalho de Simão aborda um tipo diferente de vida e introduz uma sensação particular que ela associa a momentos específicos, quando o dia se transforma em noite e a noite em dia. Difusão lida com a “luz das 10 horas da manhã”, quando as mudanças na iluminação estão mais relacionadas ao fato de o céu estar ensolarado ou nublado, em vez de captar a transição entre o dia e a noite. Ela pensou naquele tipo de luz que vemos quando parece que vai chover, mas também naquelas horas do dia em que o céu parece começar a se abrir. Uma sensação de algo que carrega seu próprio oposto, como uma nuvem de chuva que não libera a água, serve de inspiração para a artista, provocando movimento na realidade e afastando-a do que é estático. Ela sugere cores que podem ganhar ainda mais brilho depois da chuva, cores que estão à beira de algo. Tons de rosa permeiam a exposição. Eles poderiam ser associados à paleta cromática dos desertos, mas também podem ser vistos como aquosos, já que observamos barcos que se transformam em luas e navegam para outros universos. Para Simão, rosas e amarelos ganham novas intensidades em Paris, mas contêm os mesmos veículos de navegação celeste que aparecem em toda a sua obra: desde barcos até foguetes, pranchas de surfe e óvnis. Esses veículos (formas características na produção da artista) nos permitem ultrapassar os limites de onde o corpo humano pode chegar, assim como a artista tenta expandir os limites de onde nossas imaginações – e as emoções despertadas pelo ato de imaginar – podem nos levar. Oferecendo aos visitantes a liberdade de caminhar entre as pinturas e criar suas próprias associações, Difusãodesafia divisões e definições rígidas, tornando-se um espaço onde a potencialidade se multiplica exponencialmente.

 

—     Diana Campbell*

* Diana Campbell é a diretora artística da Samdani Art Foundation, com sede em Dhaka, e curadora-chefe do Dhaka Art Summit.