Os alquimistas estão chegando Paulo Nimer Pjota
Paulo Nimer Pjota: Os alquimistas estão chegando
É preciso, no mínimo, três indivíduos para formar uma sociedade; assim como são necessários ao menos três indivíduos para que haja uma secessão. É preciso, no mínimo, três indivíduos para constituir uma família, portanto, e a partir dessa constatação, podemos deduzir diversos aspectos de nossa relação e de nossa experiência do mundo. O espaço se vive em três dimensões, assim como um acorde musical é composto de três notas e a vida se divide em três fases. A tríade é fecunda, como comprovam diversas religiões: as Três Joias do budismo que são Buda, Dharma (o ensinamento) e Sangha (a comunidade); a Trimurti do hinduísmo, que reúne o criador, o preservador e o destruidor; as tríades divinas do Antigo Egito (Osíris, Isis e Horus, por exemplo); a trindade cristã do Pai, do Filho e do Espírito Santo, além da mitologia greco-romana na qual figuram as Três Parcas, as Três Graças e as Três Fúrias. Uma questão de equilíbrio e de dinâmica, evidentemente, de completude e de mediação.
Dessa forma, Paulo Nimer Pjota pensou Os alquimistas estão chegando – título de uma canção de Jorge Ben Jor, figura central da música popular brasileira – como a terceira e última parte do projeto iniciado com A Lua e Eu (Kunstinstituut Melly, Rotterdam, 2025) e Na Boca do Sol (Mendes Wood DM, New York, 2024). Questão de equilíbrio, supõe-se, porém sem equidade nem simetria.
A tríade recusa todas as lógicas binárias como, por exemplo, o mais e o menos, o sim e o não, o bem e o mal. A tríade se opõe ao pensamento racionalista que opera por dualismos, procurando distinguir o verdadeiro do falso, o permanente do efêmero, ou ainda o visível do invisível. Ela representa igualmente uma barreira contra as inversões que alimentam os dualismos, como quando os colonos converteram os deuses dos povos indígenas do Brasil em diabos do cristianismo.
Paulo Nimer Pjota concebe sua pintura como uma atividade meditativa, introspectiva, que implica esquecer o que se sabe, desaprender para começar sempre melhor. Tal atividade também permite trazer à tona um bestiário monstruoso, buscado nos confins de uma imaginação livre de qualquer padrão e de qualquer expectativa. Gilbert Lascault mostrou a extensão e a variedade de tal bestiário, identificando ao menos vinte e sete representações do monstro[1], somente no mundo ocidental. Sem contar, é claro, com todos aqueles que povoam as culturas afro-descendentes, e que surgem ao longo das narrativas místicas ou das celebrações religiosas.
Isso quer dizer que as pinturas de Paulo Nimer Pjota se colocam fora do mundo? Que elas o recusam? Certamente não – elas absorvem, ao contrário, sua riqueza, tantas vezes ignorada quando ela toma formas excluídas pela lei do positivismo. Suas pinturas desenterram o que as narrativas oficiais tentam esconder, pois essas têm horror daquilo que as contraria. Há quem convoque Goya para fazer do monstro um animal a ser sacrificado: a gravura 43 de seus Caprices, com a inscrição “O sono da razão engendra monstros”, pode, de fato, induzir ao erro. Uma leitura literal, reforçaria a ideia de que o monstro seria o inverso da razão. Ora, na língua de Goya, “sueño” significa tanto sono quanto sonho. Alguns sublinharam essa hipótese bem mais fértil do que a de uma simples oposição; Georges Canguilhem se perguntava “se o sono da razão não seria liberador ao invés de criador dos monstros[2]”; Deleuze e Guattari confirmavam: “Não é o sono da razão que engendra os monstros, e sim a racionalidade vigilante e insone[3].”
Paulo Nimer Pjota trabalha justamente nessa ambiguidade, a partir das misturas improváveis que a relação à cultura nos permite hoje. Ele trabalha também, pode-se dizer, na ambiguidade absoluta dos sonhos e daquilo que eles produzem. Os sonhos drenam os piores horrores e as felicidades mais profundas e se mostram constantemente capazes de fundi-los. Aqui também, as categorias que afetam o pensamento dualista não se sustentam mais. Longe de desejar se retirar do mundo, Paulo Nimer Pjota o expurga para revelar o que ele ainda contém de lembranças esquecidas e de promessas inesperadas.
Referindo-se constantemente à história do Brasil e a sua cultura popular atual, também carregada de referências externas, Paulo Nimer Pjota elabora suas pinturas como paraísos perdidos e retrata sua natureza e os espíritos que a povoam. Uma dupla volta às origens portanto: à origem de um vasto país que deve sua pluralidade e suas disparidades a uma história tão rica quanto sombria; à origem, também, de seu próprio trabalho, reconsiderando seus dias adolescentes, aos quais ele retorna hoje, por outros meios e segundo outras ambições formais.
A alquimia, ciência oculta que consiste em transformar vis metais em ouro, interessa Pjota assim como interessou Jorge Ben Jor que tem seu álbum A Tábua de Esmeralda (título de um dos textos fundamentais da alquimia, de Hermès Trismégiste) homenageado pelo artista. Essa é certamente uma das maneiras de apreciar a pintura de Paulo Nimer Pjota: ela transmuta, ela transcende.
— Guillaume Blanc-Marianne
[1] Gilbert Lascault, “Tableau du catalogue abrégé des monstres”, em Id., Le Monstre. Un problème esthétique, Paris, Klinsieck, coll. “Esthétique”, 1973, p. 174-175.
[2] Georges Canguilhem, “La monstruosité et le monstrueux” [conferência dada no Institut des hautes études de Belgique em 9 de fevereiro de 1962 e publicada em Diogène, n°40, octobre-décembre 1962], em La Connaissance de la vie [1965], 2e édition revue et augmentée, Paris, Librairie philosophique J. Vrin, 1992, p. 178 (je souligne).
[3] Gilles Deleuze, Félix Guattari, Capitalisme et schizophrénie. L’Anti-Œdipe [1972], nova edição aumentada, Paris, Éditions de Minuit, coll. “Critique”, 1973, p. 133.