O estranho familiar Paula Siebra
Paula Siebra, o estranho familiar
É a visão de um cotidiano extremamente banal, imperceptivelmente perturbado por um toque de estranheza que pode transformar toda a cena em uma visão de pesadelo. Uma natureza morta com um revólver, luvas e uma rosa pousados sobre uma mesa. Paula Siebra compôs uma das primeiras obras da exposiçāo como em um romance de Agatha Christie. Para ela, os romances policiais são como uma metáfora da pintura. Não pela intriga em si mas pelo prazer que temos em, como um cão de caça em torno de sua presa, compreender as características dos personagens, suas interações, o contexto no qual a história acontece. Esse gênero de investigação comporta algo de mágico, que se cristaliza intuitivamente, às vezes para além da linguagem. Como quando tentamos colocar palavras sobre pinturas.
Paula Siebra nasceu em Fortaleza, no estado do Ceará, no Nordeste do Brasil. Nessa região, ela cresceu. Ela conta que sempre desenhou, mas foi em um museu de arte popular, e não em um museu de belas artes, que o seu olhar se formou, no Dragão do Mar, onde sua mãe a levava aos domingos. Suas lembranças são embaladas pelas melodias melancólicas do choro, essa música tradicional que era tocada por sua família. Afinal, ela quase tomou essa direção ao invés da arte. Mas as imagens a capturaram e ela estudou pintura, na universidade, no Rio de Janeiro. As primeiras formas que a marcaram foram as cerâmicas, as rendas, os bordados de sua região natal, assim como as imagens simples dos ex-votos. Dentro dos primeiros livros de arte que ela descobriu, figuravam Frida Kahlo e Balthus.
Naturalmente, a exposição deve igualmente o seu título à Freud e a sua « inquietante estranheza », traduzida em outras palavras por François Roustang como « o estranho familiar », aquilo que é familiar e deve permanecer oculto. Tomemos como exemplo essa máscara pousada sobre uma cômoda, com uma gaveta abarrotada de cartas, uma garrafa pousada sobre uma toalha de mesa curiosamente amarrotada, como um vestígio de carnaval esquecido ali sem razão, um encontro objetivo digno de André Breton. Esse gosto pelo dia a dia, acompanhado de uma atração por uma forma de realismo mágico, emana igualmente da caixa de costura de sua mãe, com uma bola de alfinetes laranja e uma fita métrica mal enrolada, ou de uma mala bem arrumada. Longe de qualquer metáfora, esse espetáculo é simplesmente o signo de uma forma de zelo implementada para arrumar camisas listradas, uma pinça e uma escova de cabelos, um livro e sapatos em uma antiga mala em pele de crocodilo comprada em uma loja de antiguidades. Dentro da mala, há um livro - um romance escrito por um autor de sua região natal - com uma gravura em madeira enfeitando a capa. Ela o escolheu inspirada nessa imagem que lhe remete às técnicas vernaculares que lhe são familiares. Esses dominós? Sua presença se explica pelo fato de que é sempre bom tê-los durante uma viagem: com eles, fazemos amigos.
Um conjunto de paisagens acompanha essas cenas como cenários para narrações sem roteiro. Devemos nos deixar levar pelo prazer desse pintura contida. Sobre as pétalas aveludadas de uma planta, pérolas de água brilhantes traduzem o orvalho. Como pintar o orvalho? indaga-se Paula Siebra. Através de atmosferas. Em geral, seus assistentes preparam seus chassis utilizando materiais locais, pois ela recobre suas telas de um fundo ocre ou senão cinza, segundo as tonalidades coloridas que ela deseja produzir. Depois ela deposita inúmeras camadas de pequenos toques de pincel, com uma pintura bastante seca. Suas paletas são frequentemente homogêneas. Sua pintura é fina, porém composta de inúmeras camadas para obter halos - ela admira a pintura veneziana.
Suas obras mais enigmáticas são seus corpos, às vezes cortados, reduzidos a fragmentos, como baixos-relevos da antiguidade. Eles são a maior parte das vezes da cor da pedra. Paula Siebra cita o brasileiro Vicente do Rego Monteiro (1889-1970) ou o italiano Antonio Donghi, cujas pinturas aparentam-se às formas da arte naïf. Ela viu Magritte cujo quadro do MoMA, L’éternellement évident (1948), lhe marcou particularmente. Domenico Gnoli figura entre os seus heróis da pintura, o que se percebe diante desses personagens de frente ou de costas, se abraçando, imóveis ou ocupados com atividades minuciosas como a de examinar as pérolas de um colar com uma lupa. Suas cabeleiras são pintadas com cuidado, transformadas em superfícies abstratas comparáveis à rios ou paisagens cultivadas. Elas traduzem as mesmas obsessões que aquelas que assombram a mala arrumada, um desejo de harmonia.
- Anaël Pigeat