Prediction Group show

Apresentação

Curadoria por Milovan Farronato

Giorgio Andreotta Calò, Adriano Costa, Raúl De Nieves, Patrizio di Massimo, f.marquespenteado, Chiara Fumai, Celia Hampton, George Henry Longly, Christian Holstad, Runa Islam, Zhana Ivanova, Goshka Macuga, Solange Pessoa, Liliana Moro, Christodoulos Panayiotou, Naufus Ramirez-Figueroa, Mathilde Rosier, Prem Sahib, Daniel Steegmann Mangrané, Santo Tolone, Erika Verzutti, Wilhelm von Gloeden, Philip Wiegard

Paris, 12 de fevereiro de 2016 

Caro Milovan 

Na noite passada sonhei com nada: preto puro. E uma narração: a voz de Marilyn Monroe. 

 

Ela repetia apenas três palavras num crescendo desanimador: “Eu já sabia”. Ela repetia isso várias vezes por algum tempo: “Eu já sabia, eu já sabia, EU JÁ SABIA, EU JJÁ SSA-BBI-A”. Começava como uma carícia suave. O instável sussurro ofegante da loira que nós fomos ensinados a “preferir”. Mas o sussurro de Marilyn rapidamente transformou-se em um agudo grito gaguejante. Cada vez mais alto. Acordei sentindo-me perturbado. 

 

Liguei para o Jean. Ele me contou que Marilyn tinha um problema crônico de gagueira e fez muitas aulas para disfarçá-lo. Uma vez domada sua própria voz, ela treinou intencionalmente para soar como se “ela estivesse acabando de acordar” e, por consequência, “todos nós pensávamos em acordar ao lado dela”. Então eu percebi que eu sonhei com a Marilyn voltando a ser a Norma Jeane. Eu vi Marilyn acordando ao lado dela, desiludida. Ouvindo sua verdadeira voz e vendo-a interpretar o papel mais secreto em que ela atuou, ela mesma. 

 

Me lembro vividamente do dia em que fui apresentado ao termo “Ironia Trágica” na escola. Era um outubro quente. Eu devia ser calouro no ensino médio. Foi durante uma das primeiras aulas que tive sobre “Literatura grega antiga”. Estávamos estudando “Édipo Rei”, de Sófocles, e nossa professora descreveu a “Ironia Trágica” como o único filtro através do qual deve-se ler o teatro antigo. Ela disse que “quando as palavras e ações dos personagens contradizem a situação, a qual os espectadores compreendem por completo” isso adiciona uma tensão específica à narrativa. Muitos anos depois, na França, eu aprenderia que o termo “Ironia Trágica” era desconhecido dos poetas gregos antigos e, assim, não poderia ter sido um fim em si mesmo. Foi cunhado muitos anos depois, em 1833, por um bispo anglicano chamado Conhop Thirlwall e parece ser o mero produto do encontro entre Moral Cristã e Romantismo.  

 

No mesmo dia em que nossa professora nos apresentou ao termo “Ironia Trágica”, Eva, minha colega de escola, convidou-me para assistir – pela primeira vez – “Os homens preferem as loiras”. Era o segundo filme que eu via com Marilyn e a parte que mais me fascinou foi a em que Marilyn desaparece para dar lugar à Jane Russell cantando “Ain't that Αnyone Ηere for Love.” Eu não sei por quê, mas eu fiquei totalmente hipnotizado. Talvez fosse por causa da dança desajeitada dos atletas ou pelos gestos meio descoordenados de Russell... com certeza pelo encontro altamente erotizado destes dois corpos inflexíveis. 

 

Em algum momento por volta do quarto minuto, eu notei um acidente. Enquanto os atletas estão saltando por cima de Russell um deles bate em sua cabeça violentamente e arrasta-a para a piscina, de ponta cabeça. Não foi planejado, parecia bem brutal, mas por algum motivo foi mantido na edição final do filme. Talvez eles tenham gostado, talvez tenham achado engraçado, ou quiçá deixaram como um registro consciente na mitologia cinemática da trívia – uma piada interna? Quem sabe... 

 

Daquele dia em diante eu desenvolvi uma obsessão doentia por assistir e re-assistir a cena do acidente, a cena toda ou apenas aquele exato momento. Eu rebobinava e assistia, rebobinava novamente e assistia de novo e de novo. E foi através deste ritual sem fim que eu passei a entender melhor o termo “Ironia Trágica”, de um ponto de vista mais dinâmico. Aquele do círculo vicioso que inclui o espectador, o ator, a ação e o personagem que está preso à ação.  

 

A consciência do que espera-se que aconteça assim como nossa inabilidade em fazer qualquer coisa que não seja assistir a cena acontecendo. Conhecemos o mito, assistimos o filme, Jocasta vai se enforcar e o atleta sexy vai arrastar Russell para dentro da piscina, mas ninguém impedirá o incesto de Jocasta com seu filho Édipo ou reverterá a cena que está sendo projetada. Ficamos ao mesmo tempo paralisados e fascinados pelos eventos e suas repetições. 

 

Tirésias, o profeta cego de Apolo em Tebas, sabe o que não quer contar à Édipo, mas ainda assim ele dirá, e a tragédia ocorrerá. Ele sabe disso, nós também sabemos. E esta é a chave para a “ironia” dupla: o destino do Rei que casou-se com sua mãe e o de Tirésias, que já previa as coisas mais horríveis mesmo antes deles tornarem-se parte da narrativa. Édipo é subjugado uma vez por seu destino, Tirésias é subjugado duas vezes. Ele é o catalisador da narrativa ao mesmo tempo em que está diante dela. Ele é o motor dramático e ao mesmo tempo um elemento trágico. Um espelho perfeitamente construído do espectador, pode-se dizer. 

 

Nossa professora nos contou que o sábio vidente, além de seu poder de predizer o futuro, também gozava de um privilégio único no imaginário dos gregos. Tirésias foi o único homem a ter transformado-se em uma mulher. Assim, ele havia vivido como uma mulher e tinha uma compreensão interna de ambos os gêneros: em uma versão do mito ele viveu por sete anos como uma sacerdotisa no templo de Hera, casou-se e teve filhos. Em outra versão, ele teria vivido como uma prostituta de grande renome. 

 

Eu imagino Tirésias falando com a voz de Marilyn, sussurrando com um desejo cintilante a vontade dos deuses aos humanos e a vida secreta dos humanos aos deuses. Um dia, ele foi chamado ao Monte Olimpo para ajudar Zeus e Hera em uma discussão que eles tiveram.  

 

Eles discordavam sobre “quem tem mais prazer no sexo”. “Se dividirmos o prazer em dez partes, a mulher fica com nove e o homem com uma", disse Tirésias com a voz de Marilyn. Hera, chateada, tornou-o cego instantaneamente. No entanto, ele não perdeu sua visão porque previu algo ruim, e sim porque confirmou um fato. 

 

Um grupo de cientistas anunciou na quinta-feira ter gravado o som de dois buracos negros colidindo a um bilhão de anos-luz de distância. Um pio fugaz que confirma a teoria da relatividade geral de Einstein. Tentei imaginar a fraca elevação. Deve ter soado como a voz cintilante de Marilyn, e Einstein deve tê-la ouvido muito tempo antes. Assim como ele previu, há mais de um século, o que apenas agora está sendo provado, ele também deve ter acordado com a voz de Marilyn muitas vezes antes daquilo. 

 

Dizem que Marilyn e Einstein tiveram um caso. Marilyn tinha muitas fotos de Einstein nos lugares em que viveu, e uma delas continha uma anotação com a caligrafia de Einstein: "Para Marilyn, sou eternamente grato!". Ele era grato por que sua voz fez-lhe compreender em uma manhã quente de outubro como as ondas gravitacionais agitam-se no tecido do espaço-tempo? Não é um grande paradoxo que tenhamos levado tanto tempo para confirmar o que Marilyn sabia e assobiou à Einstein? 

 

Estou ansioso para vê-lo, em breve, em Londres. 

Com amor, da terra das previsões não cumpridas, 

 

– Christodoulos 

Obras
Vistas da exposição