Signo Antonio Obá

Apresentação

Antonio Obá vê o desenho como pensamento vivo. O artista volta ao espaço expositivo de São Paulo com uma mostra inteiramente dedicada aos seus trabalhos em papel – segundo Obá, “exercício de deixar a linguagem acontecer”. A prática do desenho, sempre presente no seu corpo de trabalho e também na sua relação com a pintura, ressoa um momento mais intuitivo do artista – pensamento vivo que vai se delineando à medida do fazer.

Para Obá, o ponto de partida entre o desenho e a pintura é o mesmo – o que deriva é o corpo dado às necessidades de cada momento. O desenho é fruto de um processo mais rápido e automático, mas que não exclui o caráter de surpresa de seu exercício narrativo. O artista vai delineando uma espécie de diálogo em torno de um panteão de referências – simbiose que origina suas composições. Aqui, esse desenvolvimento encontra duas vertentes: desenhos que exigem uma construção mais lenta e um apuro formal maior, trabalhados em grafite e finalizados em nanquim dourado; e desenhos mais soltos que incorporam um movimento catártico em sua feitura.  

Nos desenhos mais apurados, Obá se volta para um olhar bastante característico de sua obra: a ideia de uma reinvenção da memória, de um sujeito que subverte – e manipula – a sua condição. Na obra Outros ofícios: Liteira, nome dado em referência à cabana em que os senhores ficavam enquanto eram carregados pelos escravos, o artista recorre à imagem da criança, também constante no seu trabalho, como forma de enfatizar a origem, o lúdico – a brincadeira como aprendizado para afastar o que é aterrorizante, enorme. O desenho traz referências à atividade da caça, situando as crianças em um jogo simbólico, em que os sujeitos restauram o seu poder.  

Os desenhos dialogam também como uma resposta irônica a todo esse passado de trabalho, labuta e exploração. Ao recuperar fotos de escravizados em situações de barbearia, Obá referencia todo um aparato instrumental de época, criando uma simbologia de que a mão que cria é também a mão que transforma a matéria. O manto da barbearia, quase um manto clerical, indica a ideia da nobreza a partir do ofício, do trabalho. O desenho faz referência também ao cruzamento de elementos religiosos, outra característica estruturante da obra de Obá, aludindo à decapitação de São João Batista – algo tão presente no imaginário popular. Para o artista, o elemento de dor é também o de sagração.  
 
Esse revisionismo irônico situa a obra de Obá sempre em expansão, afastando uma noção demarcada de historicidade dentro de sua produção artística. Seus trabalhos permitem uma abertura de desdobramentos interpretativos – que se desenvolvem como um todo e como muitos. Em Signo, o artista opera no sentido de construir as imagens de um modo quase iconográfico, em que os desenhos estão todos envoltos à construção de uma narrativa com possibilidades diversas.

Os trabalhos em papel atuam junto a toda essa carga simbólica, explorando a espacialidade e o respiro do espaço negativo. Neles, Obá equilibra um fator de composição que ressoa quase como um desejo de um equilíbrio maior – caso da figura central que equilibra duas cabeças como forma de se estabelecer no mundo.  

Nos desenhos de traçado mais solto, Obá carrega o comprometimento de uma espécie de escrita – ou de registro vivo, como ele mesmo define. São cenas mais ritualísticas, estruturadas delicadamente em aqualine por um bico de pena – mais próximas de uma noção de intimidade revelada pelo artista. Os corpos registram momentos de dor e sagração e se apresentam como devem ser: livres de seu peso, de qualquer espécie de manto ou armadura. O desenho encontra o seu caráter por excelência – o de liberação e catarse.

Obras
Vistas da exposição