Diálogos do Dia e da Noite Rosana Paulino
Desde muito cedo, natureza e arte são dois temas que fascinam Rosana Paulino. Atraída pelo estudo da biologia, Paulino considerou a possibilidade de transformar sua paixão em uma carreira, mas, em vez disso, decidiu seguir outra vocação e formar-se em artes visuais. Essas duas fontes de conhecimento persistiram em sua vida pessoal e profissional desde então. Como artista, Rosana Paulino criou, investigou, deu palestras e escreveu sobre as presenças e ausências da representação negra na sociedade brasileira. Ao longo de sua prática, ela continuou a desafiar percepções e reinscrever a história, atribuindo novos papéis às mulheres negras no Brasil em particular. Por meio de sua arte, Paulino desafiou séculos de preconceito sistemático que excluíram sistematicamente o patrimônio afro-brasileiro da memória pública. Além disso, sempre ficou claro para ela que é inconcebível considerar a emancipação negra como desvinculada de um pertencimento incorporado à natureza – evidente, também, que a construção de um futuro inclusivo está fundamentada na consciência ecológica e na reconexão com sistemas naturais que foram historicamente separados das comunidades marginalizadas.
Em Diálogos do Dia e da Noite, a artista apresenta uma série de novas pinturas, contextualizadas em ambientes noturnos, que desafiam as subjetividades históricas das mulheres negras. Inspirada pelas possibilidades do anoitecer e tendo como pano de fundo os sonhos, Paulino retorna a arquétipos, bastiões femininos, deusas ou guias, muitos dos quais emergem de sua sérieSenhora das Plantas. Desta vez, essas figuras femininas, com membros que se transformam em raízes de árvores, cabelos que crescem como folhas ou dedos que desabrocham em flores, levantam-se, rastejam ou se ajoelham na escuridão. Surgindo à noite, elas confrontam os espectadores com os mistérios que existem nas horas mais escuras, formando um mito botânico que é ao mesmo tempo atraente e enganoso.
As plantas, ervas daninhas e flores que crescem a partir e dentro das pinturas da exposição são encontradas em abundância nos jardins de todo o Brasil. Mais importante ainda, elas são amplamente conhecidas por suas conotações sociais, culturais e espirituais, que florescem além do campo das práticas científicas ocidentais. Suas folhas e arbustos têm sido plantados perenemente como elementos de proteção, alguns deles cultivados em jardins e varandas para afastar espíritos malignos, outros usados em banhos ou amuletos para invocar proteção. É nas fontes de conhecimento, muitas vezes não documentadas, que Paulino colhe a inspiração que guia seu lápis livremente e nutre sua forma de arte.
A grande e exuberante planta tropical Comigo ninguém pode, que se espalha por jardins internos ou externos, é notoriamente travessa por natureza. Orgulho de muitos jardineiros, ela também é incrivelmente tóxica se consumida por animais ou humanos. Seu nome comum em português é uma afirmação autoproclamada, que se traduz literalmente na afirmação "comigo, ninguém pode [bagunçar]", verdadeira para os poderes de proteção da planta. Paulino apresenta várias versões dessa vegetação brincalhona em uma série de figuras improváveis que devoram plantas, Comingo ninguém pode No 1, No 2 e No 3 (todas de 2024), culminando na grande e imponente pintura contra a escuridão. Nessa última representação, vinhas e folhas brotam dos dedos, dos seios, da boca e até assumem a forma de olhos da figura, enquanto a mulher e a planta assumem uma única forma. É por meio dessas fortes afirmações visuais que Paulino cria um poderoso ecossistema de ideias que é resolutamente feminino e contemporâneo
Caminhando pela linha entre o encanto e o perigo, há uma série de obras que retratam a trombeta de anjo. Sua aparência sedutora e descrição divina mascaram a toxicidade inerente da flor, confundindo os limites entre cura e dano, ou visão e morte. Tanto em uma nova pintura quanto em um trabalho em pastel seco sobre papel, suas flores longas, caídas e sensuais criam uma cena quase teatral com seu portador. Paulino é fascinada pelo simbolismo de uma flor que sonha e engana, reconhecendo a capacidade fantástica de sobrevivência da natureza, algo que ela identifica na resiliência das mulheres negras ao longo do tempo, que se adaptam para prosperar.
A ambiguidade também está presente na espada de Iansã, uma planta sinônimo de força e proteção. Elas adornam as cabeças e as mãos de criaturas destemidas que habitam a exposição. No entanto, mais uma vez, a percepção positiva da espécie é ofuscada por sua toxicidade inerente, o que a torna extremamente perigosa e até mesmo letal se usada indevidamente. Nesse jardim em camadas, Paulino cultiva um universo onírico com elementos que trazem à tona a natureza perigosa da resistência. Outras criaturas vivas, como pássaros e corvos, voam ou se deitam ao redor dos corpos dessas figuras noturnas, trazendo consigo novos conhecimentos.
O desenho está no centro da prática da artista. Seus cadernos de anotações, contendo páginas de esboços e observações, foram gradualmente incorporados como obras de arte importantes em suas exposições. Em Nova York, eles são apresentados como esboços poéticos, como Estudo para Comigo ninguém pode (2024) ou Estudo para plantas (2024), que mais tarde emergem como as pinturas centrais da exposição. Observá-los é como descobrir o diário visual da artista, cuja prática também pode ser descrita como uma rede de reflexões em constante evolução, catalogando pensamentos emancipatórios como um voto de responsabilidade. Por fim, a exposição destaca temas que impulsionam seu compromisso contínuo de denunciar sistemas de exclusão. Isso surge por meio de trabalhos anteriores, como a colagem As Filhas de Eva (2014) ou o trabalho de mídia mista Três Vezes Coração (2024), que trazem à tona séculos de discriminação institucionalizada, que passam continuamente por estruturas de representação.
Além da exposição em exibição na galeria da Mendes Wood DM em Tribeca, The Creation of the Creatures of Day and Night (2024), uma imponente encomenda da artista, está atualmente em exibição no High Line em Nova York. O mural de grande escala com vista para o parque público é uma continuação da série de manguezais de Paulino, na qual suas figuras de mulheres-árvore espalham suas raízes por este sistema complexo, reivindicando sua existência. À medida que o distinto panteão de mulheres guardiãs e criaturas botânicas de Paulino atravessa as paredes da galeria e os espaços públicos, confrontamos questões vitais: Como essas figuras mudam nosso olhar e que soluções e transformações elas podem trazer para o nosso mundo?
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Rosana Paulino, Untitled | Sem Título, 2025
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Rosana Paulino, Binding to save the life of those without a soul | Amarração para salvar a vida para dos que não tem alma, 2025
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Rosana Paulino, Untitled | Sem Título, 2025
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Rosana Paulino, Untitled | Sem Título, 2025
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Rosana Paulino, Untitled | Sem Título, 2025
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Rosana Paulino, Three Times the Heart | Três Vezes Coração, 2024
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Rosana Paulino, Untitled | Sem Título, 2025
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Rosana Paulino, Cow's Foot | Pata de vaca, 2022
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Rosana Paulino, Study for comigo ninguém pode | Estudos para comigo ninguém pode, 2024
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Rosana Paulino, Untitled | Sem Título, 2025
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Rosana Paulino, Untitled | Sem título, 2025
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Rosana Paulino, Untitled | Sem título, 2025
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Rosana Paulino, Untitled | Sem Título, 2025
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Rosana Paulino, Study for comigo ninguém pode | Estudos para comigo ninguém pode, 2024
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Rosana Paulino, Untitled | Sem Título, 2025
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Rosana Paulino, Untitled | Sem Título, 2025
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Rosana Paulino, Untitled | Sem título, 2025
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Rosana Paulino, Untitled | Sem Título, 2025
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Rosana Paulino, Senhora das Plantas, 2025
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Rosana Paulino, Senhora das Plantas, 2025
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Rosana Paulino, Comigo Ninguém pode N°3, from the series Senhora das Plantas | Comigo Ninguém pode N°3, da série Senhora das Plantas, 2024
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Rosana Paulino, Angel's Trumpet, from the series Senhora das Plantas | Trombeta de Anjo, da série Senhora das Plantas, 2025
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Rosana Paulino, Comigo ninguém pode, from senhora das plantas series | Comigo ninguém pode, da série senhora das plantas, 2024
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Rosana Paulino, Untitled | Sem título, 2024
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Rosana Paulino, Untitled | Sem título, 2024
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Rosana Paulino, Untitled | Sem título, 2024
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Rosana Paulino, Angel's trumpet, from the series Senhora das Plantas | Trombeta de Anjo, da série Senhora das Plantas, 2024
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Rosana Paulino, Untitled | Sem título, 2025
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Rosana Paulino, Untitled | Sem título, 2025
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Rosana Paulino, Angel's trumpet, da série Senhora das Plantas | Trombeta de Anjo, da série Senhora das Plantas, 2024
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Rosana Paulino, Study for comigo ninguém pode | Estudo para comigo ninguém pode, 2024
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Rosana Paulino, Untitled | Sem título, 2025
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Rosana Paulino, Angel's trumpet, from the series Senhora das Plantas |Trombeta de Anjo, da série Senhora das Plantas, 2025
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Rosana Paulino, Untitled | Sem título, 2025
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Rosana Paulino, Untitled | Sem Título, 2025
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Rosana Paulino, Daughters of Eve | As Filhas de Eva, 2014
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Rosana Paulino, Daughters of Eve | As Filhas de Eva, 2014
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Rosana Paulino, Three times the heart | Três vezes o coração, 2024
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Rosana Paulino, The progress of nations | O progresso das nações, 2021