Visions of Fading Clémentine Bruno, Chiki, Maren Karlson & Ding Zhi
Esta manhã, enquanto percorria as notícias, uma das manchetes do Libération chamou minha atenção. Um grupo de cidadãos dos EUA havia compartilhado suas visões sobre a situação do país. A manchete dizia: “Não parece real, parece uma simulação.” De fato, nos últimos meses, ouvi muitas pessoas ao meu redor dizerem que sentem que o que está acontecendo não pode ser verdade. O desenrolar de acontecimentos recentes — e não apenas nos EUA — remete a enredos de inúmeros filmes que já vimos ou histórias que serviram de base para uma ficção distópica. Mas essa talvez seja uma explicação simplista demais: a influência mútua entre a política dominante e a fábrica de sonhos. Isso não pode ser a única razão pela qual, na minha insônia, me sinto invadido por pensamentos que não quero ter. Enquanto as fronteiras físicas do mundo se fecham, as que separam realidade e ficção parecem se dissolver; o que vejo, então, é algo como uma represa invisível inundada por uma tempestade de simulacros. E quando finalmente estou pegando no sono, imagens de destruição voltam para me visitar nos sonhos. Mark Fisher disse que o que chamamos de mundo real é uma forma de sonho coletivo. Ainda estou tentando entender o que isso significa. Será que ele, nos anos 2010, com a ajuda dos escritores de ficção científica que amava, antecipou o pesadelo ansioso que estamos vivendo agora? Ou será que a simulação se tornou realidade e sua afirmação meio que se inverteu? Muitas coisas que achávamos possíveis apenas na ficção acabam acontecendo na vida real. Até os sonhos estão ameaçados. Pergunto-me que tipo de tecnologia poderia se opor a essas forças. A arte, talvez.
Visions of Fading [Visões do Desvanecer], exposição coletiva realizada na Mendes Wood DM, em Bruxelas, é um ótimo exemplo de como as artes visuais podem reagir à perturbadora onda de realidade ficcionalizada que transborda da matriz. A mostra reúne trabalhos de Clémentine Bruno, Chiki, Zhi Ding e Maren Karlson. Os artistas, nascidos entre o fim dos anos 1980 e meados dos anos 1990, têm a pintura como meio principal. Vieram da Europa, das Américas e da Ásia. Dois deles vivem e trabalham atualmente nos EUA. Embora suas práticas estejam ancoradas no cotidiano — desde evocações pessoais e materialidades do dia a dia até materiais de arquivo —, seus temas se deslocam, se dissipam e se tornam estranhos por meio da linguagem pictórica. Opacidade da imagem — outras realidades se desdobram. O real estremece, e outros sonhos parecem entrar em cena: emergência de imagens fantasmáticas, sombras que envolvem, abrindo-se para um abismo, personagens incomuns surgem como presenças alienígenas. As pinturas de Maren Karlson, em particular, funcionam como condutos entre diferentes momentos no tempo, assim como sonhos. Nessas cenas oníricas, os lugares estão desmapeados e, como nas obras de Zhi Ding, as geografias se recompõem durante a noite. Fantasmas se revelam, como nas composições em camadas de Clémentine Bruno. Utopias passadas recebem novos visitantes, a imaginação age de dentro da pintura, guiando as obras para uma certa indefinição, como nas pinturas de Chiki — sonhos dentro de sonhos.
Condutos
Staub (Holes) [Poeira (Buracos)] (2024 e 2025), de Maren Karlson, é uma série de pinturas escuras, estreitas e alongadas, que retratam locais onde aparecem dispositivos de conexão, como tubos, redes e dutos. Criados em óleo, com grande atenção aos detalhes, os trabalhos da artista alemã radicada em Los Angeles têm uma presença inquietante. Nessas composições, buracos parecem se abrir sobre vazios enigmáticos, pintados sobre telas de proporções incomuns. Elas parecem feitas para dificultar a identificação do que está sendo retratado: trata-se de uma rede tecnológica subterrânea ou de uma série de sistemas orgânicos? Estamos diante de um objeto inanimado e mecânico ou de uma radiografia do interior de algo vivo e indeterminado? Nestas cenas em penumbra, os cabos se assemelham a partes do corpo. A escala da obra também é intrigante. Algumas peças se encaixam nos detalhes arquitetônicos do espaço expositivo, criando buracos negros, espaços negativos na galeria. Elas suspendem a representação enquanto atuam como condutos em si mesmas, aproximando-se da materialidade da imagem. Assim, torna-se difícil saber se estamos navegando por um campo microscópico ou macroscópico. Reproduzidos com precisão, o grão e a poeira da imagem de origem funcionam como ruído, como partículas cósmicas. O que está em jogo, sem dúvida, é um diálogo com o limiar da visibilidade.
Para a série Staub (Holes) (2025), Maren Karlson utilizou imagens de arquivo — especificamente, uma fotografia tirada em 1975 pela Stasi, documentando uma explosão em uma usina nuclear da Alemanha Oriental (o agora desativado complexo de Greifswald-Lubmin). Desde o início do projeto, no verão de 2024, a artista transformou essa fotografia de várias maneiras: recortando-a, ampliando detalhes, distorcendo, reorganizando, abstraindo e obstruindo o material... Staub (Holes) #10 (2025) e Staub (Holes) #11(2025), as duas pinturas em exibição, transformam a investigação forense da sabotagem em uma jornada especulativa e sensorial. À explosão, a artista responde com aberturas pintadas — vislumbres da mecânica de uma estrutura de poder tentacular. Ao incêndio, ela responde com cinzas, misturadas à tinta a óleo — um material que é, ao mesmo tempo, metáfora e, talvez, até magia. Essas sabotagens visuais revelam um conjunto ameaçador de dispositivos de conexão, algo como as entranhas de um monstro tecnológico. A sensação é a de olhar para um sistema a partir do lado de dentro e se perder: não há cima nem baixo, cabos e buracos conduzem em todas as direções ao mesmo tempo. A perspectiva é vertiginosa. Ao fazer esse desvio histórico pelo arquivo para reingressar no presente, Maren Karlson nos convida a seguir os passos de um agente anônimo, documentando um incidente. A fotografia original, marcada pela suspeita da entidade de controle (a Stasi), resulta de um processo altamente marcado pelo fabricar de uma verdade objetiva. Ela pode levar tanto à constatação de que houve um acidente quanto à acusação dos sujeitos que essa entidade controlava (os trabalhadores da usina). Mas algo permanece incerto: teria o incêndio sido um acidente ou um ato de sabotagem? Essa ambivalência cria uma abertura, um momento de possibilidade. E se o investigador fosse, na verdade, o próprio sabotador, buscando passagens, sondando os subterrâneos do Estado, procurando rotas alternativas fora dessa zona de controle...? Planejando, talvez, aquilo que nos permite hoje enxergar por dentro esse erro do passado. As estruturas que nos contêm não são tão sólidas, uniformes e estáveis quanto parecem.
Desmapeamento
Enquanto Maren Karlson arranha a superfície da realidade para desenterrar desvios, Zhi Ding opera em uma dimensão diferente. A artista chinesa, atualmente baseada em Nova York, produz pinturas de tamanho modesto — vislumbres de um mundo noturno que convidam o espectador a adentrar situações oníricas, quase cinematográficas. Na série Lurking [À Espreita] (2024), personagens se escondem na escuridão, observando, à procura de algo que permanece desconhecido para quem olha. Se jamais se vê o que o observador está olhando, tampouco se conhece a história completa da qual a cena parece fazer parte. A atmosfera é inquietante: estão espionando o quê? Há perigo? Estão caçando ou sendo caçados? É um jogo? Esse significado suspenso é reforçado pelo fato de que os protagonistas também são ambíguos: não são claramente masculinos nem femininos e têm uma idade indefinida (podem ser crianças ou jovens adultos). Além disso, não têm rosto. Há a sensação de que uma história está se desenrolando sem que se saiba exatamente qual é. Seu significado escapa à interpretação, assim como acontece com as figuras representadas na série Hide & Seek[Esconde Esconde] (2024-2025). Em cada cena, uma ameaça surge de um jogo que costumava ser inocente — um personagem se esconde na escuridão, outro está prestes a cair de uma árvore, enquanto, em outra pintura, uma figura oculta está prestes a atacar.
A noite traz mistério e tensão às pinturas de Zhi Ding. No escuro, como nos sonhos, as coisas não são o que parecem, nem significam aquilo que se espera. Em Chana Star II [Estrela Chana II] (2025), por exemplo, uma misteriosa luminária, sobre a qual está pintada uma floresta, paira sobre uma cachoeira. A figura na pintura se perde na ilusão, incapaz de perceber que a floresta encantada e brilhante para a qual se precipita é, na verdade, apenas uma imagem sobre uma lâmpada. A obscuridade, que banha seus cenários em estranheza, está ligada às memórias pessoais da artista. Zhi Ding cresceu em uma pequena cidade no sul da China, onde, à noite, os interiores muitas vezes ficavam escuros. Somente ao chegar aos Estados Unidos ela experimentou, com surpresa, interiores iluminados à noite. Em sua cidade natal, o anoitecer significava escuridão, e quando a noite caía sobre a cidade, as casas a acolhiam com suas paredes. Nas pinturas de Zhi Ding, a noite conecta dois lugares. Dois continentes que se entrelaçam na imaginação, como localidades que se fundem em um sonho. O formato das pinturas da artista se aproxima das dimensões de um livro, convidando a uma experiência íntima semelhante, como se ela tentasse iniciar histórias que somos convidados a continuar, imaginar ou até mesmo sonhar. Em outra série, Secret Manual [Manual Secreto] (2024-2025), livros brilham. Às vezes, são maiores do que o normal, tão grandes que um personagem quase consegue se esconder atrás deles. Outras vezes, são tão pequenos que parecem impossíveis de ler. O que se vê, então, é o rosto do leitor, exposto à luminosidade do objeto aberto. As pinturas de Zhi Ding são, na verdade, imagens desses livros radiantes: enigmas sem palavras, que emanam emoções, medos, prazeres, sensações, memórias — coisas que não podem ser descritas, apenas sentidas por meio das cores, do desenho e da experiência da pintura.
Fantasmas
Nos sonhos, podemos fazer coisas que não conseguiríamos realizar em estado de vigília. A noite abre esses espaços onde podemos encontrar indivíduos com quem, de outra forma, não poderíamos interagir: pessoas distantes, personagens imaginários e os mortos. Nascidas de um longo processo de estratificação, as pinturas de Clémentine Bruno são compostas por camadas de matéria e dados históricos. Enquanto Zhi Ding pinta narrativas sugestivas, como livros ilustrados que brilham no escuro, a artista francesa enterra imagens sob uma paciente sedimentação de camadas de gesso. Trabalhando com imagens de referência e pinturas da história da arte, Clémentine Bruno observa, estuda, copia e encerra essas imagens em uma geologia pintada. Ela compõe com múltiplas temporalidades: o tempo que passa com a pintura enquanto ela se forma; o tempo de outras pinturas convidadas a entrar na substância do objeto, às vezes desaparecendo, ocultas entre as camadas de matéria; e o tempo dos gestos que podem, talvez, revelar parcialmente essas imagens ao cavar, apagar e escavar suas camadas, encenando uma combinação de diferentes texturas temporais. Ao falar sobre essa prática quase arqueológica, a artista menciona o pentimento, termo italiano que descreve as alterações feitas pelos artistas durante o processo de pintura. Mudanças de ideia são repintadas, ocultas sob camadas de óleo que, com o tempo, podem desbotar e criar transparências. Exposta à luz, ao calor, às mudanças do ar e aos movimentos atmosféricos, a composição pictórica se transforma e revela, em determinado momento, outros estados: histórias alternativas, sobreposições, fantasmas... A partir de múltiplas imagens parcialmente vistas em perspectiva, a pintura, assim como no mundo dos sonhos, multiplica e mistura tempos, gerando uma forma de temporalidade recomposta.
Por meio da sobreposição e da erosão, o tempo se torna espaço, resultando em um objeto híbrido que poderia ser chamado de "pintura-paisagem temporal". Em Landscape black stain [Paisagem mancha preta] (2025), as imagens desaparecem, num gesto quase iconoclasta de apagamento, só podendo ser imaginadas, ocultas sob as camadas escuras de tinta. O trabalho de Clémentine Bruno convida a um olhar ativo: em Landscape green circles [Paisagem círculos verdes] (2025), a composição geométrica que encobre a superfície instiga a interpretação e a navegação temporal: de onde vêm esses círculos? Do passado, do presente ou do futuro? Estão abaixo ou acima, vistos através de qual camada? Landscape green bricks [Paisagem blocos verdes](2025) traz um motivo mais figurativo, na forma de pequenos tijolos, sugerindo um ato de construção, elaboração e trabalho. De fato, no trabalho da artista, a linguagem ocupa o mesmo nível da imagem. Compostas por detalhes e fragmentos vindos de diferentes lugares e tempos, as pinturas são, em si, ficções. Instaladas como constelações no espaço, formam diagramas não verbais. Sabemos que, nos sonhos, as imagens nos são apresentadas por uma lógica distinta, levando-nos a criar sentido a partir dos intervalos entre elas, na tentativa de compreender a força de nossas experiências passadas e de nossos desejos reprimidos. As composições da artista revelam como os espectros da pintura podem desempenhar um papel próximo ao de um oráculo contemporâneo. Ao colocar os fantasmas atrás de nós, convidam-nos a olhar para frente, a orientar o olhar para o futuro.
Sonhos dentro de sonhos
A primeira exposição individual de Chiki, realizada na Útil Mx, na Cidade do México, em março de 2023, foi, literal e simbolicamente, um ato de orientação. Cada uma das quatro pinturas apresentadas correspondia a um ponto cardeal da cidade. As paisagens pintadas evocavam lugares familiares. Representadas em quatro momentos diferentes do dia, elas recriavam juntas a passagem do tempo, simultaneamente vivenciada a partir de um único ponto de vista. A exposição proporcionava a sensação de estar situado dentro de um centro (subjetivamente) definido da Terra, ao mesmo tempo em que revelava a experiência cósmica das mudanças de luz e cor sobre a paisagem, causadas pela rotação dos corpos celestes. Embora a linguagem técnica do artista mexicano tenha suas raízes na prática tradicional da têmpera de ovo e do óleo sobre tela, seus temas estão profundamente ancorados no presente. Chiki sempre parte de uma memória ou sentimento associado a uma fotografia armazenada no celular: a imagem, selecionada desse diário digital, frequentemente remete a um momento em que o artista teve uma sensação de pertencimento, uma conexão com um lugar ou uma comunidade. Ele traduz a essência digital e fugaz da imagem no processo contínuo da pintura, transformando um espaço interior em um espaço exterior, um clima íntimo em uma atmosfera compartilhada. A tensão entre esses dois espaços, essas duas temporalidades, confere às pinturas de Chiki uma qualidade ambígua: sua precisão meticulosa é acompanhada por um forte poder evocativo. Algo se move na mente do espectador, entre a familiaridade da cena — como um déjà vu — e a presença cristalina da imagem, entre a emoção transmitida por suas cores luminosas e o silêncio absoluto dessas figuras.
As pinturas mais recentes do artista se situam em uma série de locais específicos da Cidade do México. Cada lugar remete a uma visão de futuro que, em algum momento, foi imaginada por artistas do passado — figuras históricas da vanguarda que sonharam com a transformação da sociedade e, por meio de sua prática, buscaram concretizá-la. Um dos locais escolhidos por Chiki é o mural de Isamu Noguchi no Mercado Abelardo L. Rodríguez, de 1936, Mural de Noguchi (2025), no qual o artista e designer nipo-americano articulou uma crítica social à industrialização, ao papel da ciência no progresso humano e à resistência à ascensão do fascismo. Outro é o Edifício Corporativo Calakmul, projetado pelo artista e arquiteto Agustín Hernández Navarro em 1997. Em Conjunto Calakmul(2025), essa construção retrofuturista é concebida como uma homenagem à cultura maia, apresentada como um monumental conjunto neomodernista na forma de um dispositivo geométrico que conecta a terra e o céu. Nesses cenários, que evocam sets de filmes de ficção especulativa, Chiki fotografou diferentes pessoas vestindo roupas e acessórios criados por amigos estilistas. Esses personagens, de identidade enigmática e gênero indefinido, vestem trajes como figurinos de outro mundo, remetendo simultaneamente ao folclore e à ficção científica. Em espaços que materializam sonhos nunca plenamente realizados, o artista encena outras visões, projetando outros sonhos. As figuras aparecem sempre em duplas, conectadas por acessórios futuristas que funcionam como extensões do corpo: alguns prolongam os braços, permitindo conexões à distância; outros parecem ter mãos ou dedos muito longos e quase líquidos, sugerindo novas formas de sentir.
Há ainda aqueles que exibem habilidades táteis e sensoriais. São corpos dentro de espaços vazios. Encarnam o presente e carregam consigo algo como o poder de imaginar, mais uma vez, uma outra narrativa. São imagens de alteridade: duplas, andróginas, mascaradas. Conectam histórias e parecem estar ali para testar esses projetos interrompidos, essas visões utópicas latentes. Como se esses velhos sonhos estivessem à espera de um sinal, os personagens de Chiki transitam de um sonho a outro, reaparecendo com a intenção de sonhá-los novamente. Mas, desta vez, de um jeito diferente. São sonhos dentro de sonhos — talvez a única maneira, hoje,
de continuar a sonhá-los.
— Yann Chateigné Tytelman
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