La Pensée Férale Daniel Steegmann Mangrané

Apresentação

A Mendes Wood DM tem a honra de apresentar La Pensée Férale, a primeira exposição de Daniel Steegmann Mangrané em nossa galeria, em Paris. Serão duas mostras individuais do artista ocorrendo simultaneamente na cidade: uma na Mendes Wood DM e a outra na Esther Schipper. 

Um gesto fundamental de ambas as exposições é a transposição do olho de um cão para uma árvore, seja como parte de uma paisagem, seja como um objeto escultural feito de casca de árvore, enfatizando um jogo transformador de olhares, um envolvimento perspectivo entre o olhar e o ser olhado. La Pensée Férale continua a investigação de Steegmann Mangrané sobre a complexa relação entre os seres e seus arredores, como o que se dá na Mata Atlântica. Para o artista, as condições desses ambientes de floresta tropical apontam para um modo de existência completamente diferente, uma maneira de estar no mundo que é refletida nas distintas cosmologias dos povos ameríndios e que molda noções únicas de perspectiva, subjetividade e agência. Ao encontrar expressões poéticas e representações vívidas de uma natureza pulsante e rica em materiais orgânicos delicadamente modificados, como folhas, galhos ou frutos, na fotografia e no cinema, a exposição dupla proporciona uma visão geral do trabalho recente de Steegmann Mangrané. Uma retrospectiva completa da produção do artista, intitulada Daniel Steegmann Mangrané: A Leaf Shapes the Eye, está em exibição no MACBA, em Barcelona, até 20 de maio de 2024.

Na Mendes Wood DM, grandes pedaços de casca de carvalho exibem olhos embutidos que observam os visitantes de diferentes alturas enquanto eles sobem as escadas. Os pedaços pertencem a um carvalho com mais de 300 anos que morreu recentemente devido à severa seca que afeta a Catalunha. As mudanças climáticas têm alterado os padrões de chuva e temperatura, fazendo com que espécies invasoras prosperem e incentivando pragas, como o besouro-da-casca, que ameaçam as florestas e causam estresse na flora e na fauna. Os olhos caninos desencarnados que aparecem nessas esculturas reforçam a ideia de um mundo natural sensível, perceptivo e em constante diálogo com seus habitantes. Uma série de obras holográficas, semelhantes a pequenos terrários ou a vitrines de um museu de história natural, criam pequenos tableaux vivants com galhos, formas geométricas e, em alguns casos, insetos e a presença humana. Ao observar “dentro” do espaço representado, enquanto tentamos decifrar o que estamos vendo, fica evidente a arbitrariedade da distinção entre as formas orgânicas e aquelas feitas pelo homem. 

O entrelaçamento da vida está no cerne das novas esculturas Tangled Leaves, exibidas na sala seguinte. Com um jogo de palavras que faz alusão à expressão em inglês “tangled lives”, significando vidas entrelaçadas, as esculturas representam a interconexão de todos os seres, simbolizada aqui pela imagem da folha. Na última sala, com uma trilha sonora que permeia toda a exposição, um vídeo inédito apresenta uma imagem surrealista e erótica: um olho visto debaixo d’água, cercado por girinos. Essa combinação de quietude e movimento, com um olho invadido/cercado por pequenos seres, aborda de forma eloquente tanto o medo fundamental quanto os efeitos abrangentes das mudanças ecológicas. A trilha sonora, composta pela renomada violoncelista Franziska Aigner, intensifica a estranheza das imagens com seus acordes suspensos e ritmados.

Na Esther Schipper, uma série de sete fotografias pontua o espaço expositivo. As fotografias foram tiradas no Parque Nacional da Tijuca, uma área de Mata Atlântica localizada na cidade do Rio de Janeiro. Em meados do século XIX, quando estava quase totalmente desmatado, o local foi reflorestado e declarado protegido por Dom Pedro II. O imperador ordenou que um grupo de escravizados replantasse a floresta, numa das primeiras ações ecológicas governamentais realizadas no mundo. Apesar do desmatamento quase completo, ainda existem na Tijuca algumas árvores com mais de 600 anos. Esses gigantes já estavam lá quando os portugueses chegaram e foram testemunhas do violento processo de colonização. Nas obras de Steegmann Mangrané, as árvores ganham um olhar peculiar, refletido nos olhos desencarnados dos cães selvagens.

As fotografias são acompanhadas por breves textos da filósofa Juliana Fausto, que explora a história do local sob a perspectiva dos cães selvagens que habitam a floresta hoje. Ela reflete sobre o conceito de “pensamento selvagem”. Inspirando-se – mas também divergindo de maneira significativa – na ideia de pensée sauvage, do antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, que postulava a existência de um pensamento primordial, não influenciado pela civilização ocidental, Fausto imagina como seria nosso pensamento se rompêssemos as correntes da domesticação, descolonizássemos e libertássemos nossa mente. Segundo Fausto, não seria exatamente um pensée sauvage, como descrito por Lévi-Strauss, mas sim um pensamento feral.

Com as fotografias, delicados galhos são suspensos do teto e colocados em pedestais. As diferentes esculturas são feitas de galhos divididos ou ramos cortados ao meio, às vezes, entrelaçando as duas partes, como se estivessem refletindo um no outro. Essas elegantes esculturas assumem uma qualidade corporificada, talvez até antropomórfica, sugerindo, ao mesmo tempo, um sentido de fragilidade e resiliência.

Vistas da exposição