Lacuna Runo Lagomarsino
A Mendes Wood DM tem o prazer em apresentar a segunda mostra individual do artista suéco-argentino Runo Lagomarsino na galeria.
Avi Alpert escreve especialmente para exposição:
Fotografia da linguagem cotidiana: a Lacuna de Runo Lagomarsino
Pensando sobre as obras desta exposição, comecei a me questionar: o que significa experimentar o cotidiano? Nossos pensamentos, imagens e palavras estão sintonizados com a existência cotidiana, ou vivemos num constante estado de equívoco? E como especialmente equívocos visuais poderiam afetar nossa compreensão da política e nossa participação da esfera pública? Me vieram à memória os primeiros escritos de Walter Benjamin sobre fotografia. Benjamin encontrou no meio uma negação a nossas premissas sobre a visão: Se é banal analisar, pelo menos globalmente, a maneira de andar dos homens, escreveu ele em 1931, nada se sabe com certeza de seu estar durante a fração de segundo que estica o passo. Acreditamos anteriormente que nossa visão cotidiana poderia revelar-nos a aparência do mundo, mas de repente a fotografia nos mostrou que nós não tínhamos ideia – talvez o caso mais célebre tenha sido o das fotos de movimento equestre de Muybridge. Isso não quer dizer que a fotografia revele tanto a essência interior das coisas a ponto de destruir nossa relação fetichista com elas. De fato, não vivemos em um mundo do comum, mas sim, interpusemos uma relação de distância entre nós e a realidade. O poder que a fotografia tem de ruptura desta relação e de nos devolver ao cotidiano é o que Benjamin celebremente chamou de a emancipação do objeto de sua aura. Mais do que isso, pode nos abrir os olhos para objetos que vínhamos negligenciando: aqueles que são cotidianos, esquecidos, que foram deixados à deriva.
Então comecei a pensar sobre um questionamento paralelo de nossa experiência do cotidiano, feito por Ludwig Wittgenstein em sua obra sobre a linguagem mais ou menos à mesma época de Benjamin – em palestras realizadas entre 1933 e 1935. Wittgenstein argumentava que grandes problemas filosóficos existiam não por que fossem inerentes ao universo, mas por que nós não entendíamos nossa linguagem e seu uso cotidiano. Wittgenstein escolheu como exemplo a investigação do conhecimento de Sócrates. Para Sócrates, há um termo geral abstrato e este, por si só, é a verdadeira forma de conhecimento. Para Wittgenstein, o conhecimento é um conceito que muda conforme a história, com muitos significados, nenhum dos quais é a verdade definitiva. O problema filosófico sobre o que é verdadeiramente o conhecimento é dissipado, e pode iniciar-se uma investigação pragmática de como usamos o conhecimento, como ele informa nossa vida, como muda, e como deveria mudar. Essa orientação filosófica foi frequentemente chamada de filosofia da linguagem cotidiana, já que originou-se da premissa de que o significado está em nosso uso cotidiano da linguagem, não ocultado por ele de alguma maneira.
Voltando então às obras da exposição, comecei a imaginar: e se pensássemos nos trabalhos de Runo Lagomarsino como engajados num exercício de fotografia da linguagem cotidiana? O que quero dizer através disso, é a combinação de Benjamin e Wittgenstein: que a fotografia pode revelar para nós as possibilidades obscurecidas por nossa visão normal, e que ao fazer isso pode ajudar-nos a cessar problemas em nossa linguagem visual. No que concerne aos trabalhos de Lagomarsino, penso isso especialmente sobre nossa linguagem visual da política. Assim como na filosofia da linguagem cotidiana, esta investigação do ordinário não cria uma solução mágica para nossos problemas; simplesmente permite que vejamos se alguns de nossos problemas são criados por conta de erros em nossa gramática visual.
Ao mesmo tempo, esta obra não é estritamente análoga à filosofia da linguagem cotidiana. Em primeiro lugar, imagens não propõem questões como o que é o conhecimento?. Se há uma coisa chamada fotografia da linguagem cotidiana, teorizá-la requer que comecemos por declarar, com o máximo de clareza possível, como nossos registros visuais nos ludibriam. Para Benjamin, como vimos, a fotografia nos permitiu tanto ver o cotidiano melhor quanto abrir nossa percepção para o que havíamos descartado no cotidiano. Acho que, para colocar o problema cruamente, nossa linguagem visual sofre não da falta, mas do excesso. Mas quando digo que a condição fotográfica de hoje é de excesso, não me refiro à quantidade de imagens. Refiro-me também ao excesso de responsabilidade que elas nos impõe. Há algo de alienante na ideia de que qualquer um de nós seja convocado a interromper completamente os problemas que vemos. Isso não é, eu acho, por que há algo inerentemente passivo e remoto a respeito da fotografia, como sugeriu Susan Sontag uma vez. Mas sim por que certas formas de visão fazem parecer que podemos solucionar os problemas do mundo simplesmente obscurecendo o que vemos ante a isso.
Esse é o falso problema que a fotografia da linguagem cotidiana de Lagomarsino pode nos ajudar a solucionar. Em nossa visão normal, vemos o mundo pegando fogo, enquanto temos em mãos apenas um copo d'água. Então nos perguntamos: não há esperança? Ou, se as esperanças não estiverem perdidas, fomos reduzidos à fantasia inatingível de todos lançarem seus miseráveis copos d'água de uma só vez, em um momento de determinação coletiva? Mas ainda que isso fosse feito, e se a água não fosse suficiente? E se o fogo continuasse queimando?
Esse é o tipo de questão mal elaborada que assombra nossa linguagem visual da política. Filmes de Hollywood como V de vingança, Matrix, ou Mad Max, nos levam a ver a política como um tipo de arroubo coletivo. Eles ligam pouco para os detalhes escabrosos, para as dificuldades internas, para a necessidade de revoluções comunitárias que a tradição da pedagogia do oprimido nos ensina. E também não se importam com o trabalho vagaroso, tedioso, condicionado e imprevisível da verdadeira ação de compartilhamento de poder na sociedade. O que vemos na linguagem visual de Lagomarsino é uma reordenação da gramática visual da política. Mais do que uma curva ascendente da opressão para a mudança em si, ele nos pede para ver a realidade como ela é: vasta e calma, turbulenta e picotada, aparentemente indestrutível, mas ainda aberta à rupturas, farta do fantástico, do absurdo, do grotesco, e do que era, até agora, impossível.
A sala na qual você está não resolverá a questão da dívida e da crise financeira. Não te apresentará uma solução rápida para o problema da imigração. Não devolverá os tesouros pilhados do mundo. Mas pode lembrá-lo que colocar a política nesses termos é receita para o fracasso. Em vez disso, veja a vida política como uma unidade monetária cega tentando organizar nossa produção compartilhada, como um lindo oceano cheio de cadáveres, como toda uma história de opressão e esperança que é forte como pedra e maleável como areia. Em outras palavras, veja-a como ela realmente é. Esse mundo, aço e ar, átomos e vácuo, prazer e ruptura, coletividade e aflição. Construa sua política neste mundo, então pode ser que tenha uma chance. Conforme os slides são mostrados em Sea of Grammar, e os buracos acumulam-se, o que você espera ver no fim? A luz ofuscante da verdade? O desaparecimento de um problema? Isso é muito fácil. Você verá o que sempre vê: que você não sabe, em momento algum, quando a próxima lacuna aparecerá, e se por através de seus portões virão os miseráveis ou os abençoados. Mas se esperar os dois, saberá o que fazer em ambos os casos.
Avi Alpert é Postdoctoral Research Associate no Center for Cultural Analysis, Rutgers University, EUA