Sínteses entre idéias contraditórias e a pluralidade do objeto como imagem I Paulo Nimer Pjota
Uma atmosfera comum a painéis compostos coletivamente – como muros de rua, construções vernaculares e banheiros públicos – permeia todo o trabalho de Paulo Nimer Pjota. Ao conduzir um estudo sobre iconografia popular que deliberadamente aparenta ser operado por múltiplas mãos, o artista produz na tensão entre aleatoriedade e uma meticulosa prática compositiva. Os resultados são cenários intensos que emulam uma colagem de muitas camadas.
Inclinado a trabalhar sobre grandes superfícies, Pjota se vale de tela, sacos e imensas placas de metais como suporte. Em sua maioria, esses materiais são encontrados em ferros-velhos e depósitos de dejetos após um processo de procura, negociação, apropriação e deslocamento. Naturalmente, as peças já trazem marcas gráficas – e espirituais – de seu uso anterior, influenciando diretamente o que poderá vir posteriormente. Nesses espaços, surgem narrativas visuais que combinam história da arte com a complexidade do imaginário social contemporâneo. Ao passo que sublinham os clichês de pinturas figurativas e de paisagem, mistura-os a elementos banais, de fácil encontro.
Como evidenciam as obras reunidas nesta exposição sob o título de "Síntese entre ideias contraditórias e a pluralidade do objeto como imagem", tratam-se de emaranhados de referências e pensamentos que atravessam uma série de campos de pesquisa, estudo e experiência. Conduzidas por movimentos que vibram em consternação, ironia, contemplação e contestação, criam anacronias para se inclinar sobre o manejo de ícones e índices e seus papéis nas relações de poder que vêm se arrastando pela história. Presenciamos, então, a justaposição de adesivos com natureza-morta; vasos da Grécia Antiga com super-heróis; esculturas modernistas com máscaras africanas; artefatos arqueológicos com latas de refrigerante.
Desse amontoado turbulento levantam-se contos. Impregnados com metáforas, analogias e sugestões, absorvem e reformulam o mundo como uma constelação de corpos suspensos no vazio. Se superficialmente há alguma desorientação, cada gesto aponta uma alegoria precisa e complexas conexões. No entanto, ao invés do claro e linear, encerram-se situações caóticas; ao invés da amarra a um único e fluido entendimento, circulam-se inúmeras alternativas de contextualização. Com efeito, torna-se possível reconfigurar nossa sensibilidade com o que de mais pueril nos cerca.
Dois dos principais interesses do artista, o conflito inerente às áreas periféricas de qualquer contexto urbano e as percepções compartilhadas em um planeta globalizado, aqui são chacoalhados a todo tempo. Atraído pelos processos históricos que envolvem esses assuntos, Pjota se aprofunda na linguagem de guetos e culturas de massa, saindo com um repertório extenso, que mais tarde é instrumentalizado para marcar sensações de violência e tumulto. Sua preocupação é sobretudo com a própria formação cultural desses lugares ordinários, no que busca dialogar com traumas e catarses públicas de maneira livre e sem julgamento de valor. Neste ponto, se alta e baixa cultura, arte e vulgaridade, cânones e gírias se apresentam lado a lado, não há importância nuclear no fluxo narrativo: apenas vozes diversas falando num ruído embolado.
Consciente dos mecanismos e contradições da chamada Era Digital, em que incontáveis imagens são geradas a cada segundo enquanto agravam-se desigualdades, interpela a forma como formulamos informação e distribuímos nossos afetos. Em sua cosmologia, a relação estrutural entre partes e o todo não é mais apoiada em uma divisão de classes. E na medida que suas fábulas globais são inundadas por fenômenos insignificantes e fibras do tecido marginalizado pelos fundamentos representativos tradicionais, indicam também novas possibilidades de interação social.
– Germano Dushá
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