Nos diables rouges, nos dérives commotions Julien Creuzet
Talvez todos os dragões de nossa vida sejam princesas que só esperam nos ver um dia belos e corajosos. Talvez todas as coisas aterrorizantes sejam apenas coisas indefesas, esperando por nós para defendê-las.
– Rainer Maria Rilke, Carta a um Jovem Poeta.
A Mendes Wood DM tem o prazer de receber a primeira exposição individual de Julien Creuzet em sua galeria de Bruxelas.
Uma presença vermelha e preta se desdobra como um ectoplasma, uma emanação visível inaugura e orienta toda a exposição. A figura, ao mesmo tempo provocadora, sagrada, mascarada, com chifres, composta de mistérios, vestida de espelhos, nunca se revela por completo. Oriunda do carnaval da Martinica, o Diabo Vermelho atravessa as ruas como um espectro festivo. Sua aparição anual, durante a terça-feira de carnaval martinicana, abre um portal simbólico para mundos antigos, enterrados nas profundezas da história, crenças mestiças, narrativas exiladas. Essa figura, que poderia nos parecer local e exclusiva, ecoa em outros territórios, como no Haiti, no Brasil ou nos países em torno do Golfo da Guiné.
Julien Creuzet examina essa entidade carnavalesca e faz dela seu ponto de partida. Ele questiona simultaneamente uma arqueologia do corpo mascarado e do mito contemporâneo. Não se trata simplesmente de representar a figura do Diabo Vermelho, mas de prolongar seu poder de evocação e de devir.
Além disso, em sua obra, são recompostas figuras clássicas de narrativas mitológicas ocidentais. São Jorge, Perseu, Andrômeda não são símbolos fixos e impenetráveis: eles se tornam matrizes móveis atravessadas pela história e pelo presente. O Diabo Vermelho é reinvestido com uma nova força: ele não é mais uma vítima acorrentada, mas uma entidade plural, fluida, andrógina, dançante, rebelde, tornando-se ao mesmo tempo Andrômeda, Perseu e São Jorge.
Esta figura que encarna o mestre e a fera sagrada, materializa tanto os dominados quanto os poderosos. A releitura mitológica e a linguagem plástica de Julien Creuzet operam uma equação para a emancipação. Ao questionar o lugar das histórias fundadoras do nosso imaginário, o artista propõe aqui alianças inesperadas e surpreendentes entre figuras antigas e espiritualidades afro-diaspóricas.
Quando o herói se torna monstro, quando a vítima assume o controle de seu destino, as tradições passam a ficar atentas às metamorfoses, abertas ao sincretismo, não como uma fusão perversa, mas como uma zona de tensão criativa. É importante prestar atenção a esse termo, que é frequentemente usado para reduzir espiritualidades inteiras a um coquetel dominante de exotismos e aplainar suas complexidades.
O espaço da exposição é concebido como um todo, uma obra, como um dispositivo imersivo. Nele o artista instala uma constelação de filmes fragmentados, de papéis de parede e de esculturas formando um único corpo narrativo ou um poema em pedaços. Em crioulo ou francês, a voz cantada de Julien Creuzet cria uma camada sonora fundamental, ativando múltiplas presenças em toda a galeria.
Braços, mãos, pés, fragmentos surgem ao longo de todo o trabalho. O corpo permanece central, mesmo quando ele aparece fragmentado ou de forma fantasmagórica. São corpos políticos, corpos ausentes-presentes, carregando histórias ocultas, que também podem ser vistas em obras em papel extraídas de livros de antropologia, onde páginas foram arrancadas e parcialmente apagadas.
Os materiais e padrões voltam como leitmotivs visuais e rituais. O arroz ocupa um lugar único. Presente em muitas obras (Frac Normandie, em Caen em 2015 e na Bienal de Lyon em 2017), ele é aqui considerado como um material votivo, quase sagrado. Este cereal encarna tanto o sustento, a fragilidade, a memória coletiva quanto o poder dos gestos de oferenda. O tridente, por sua vez, é uma arma ambivalente. Ele faz referência à Netuno, presente no Pavilhão da França na 60ª Bienal de Veneza, bem como ao Diabo Vermelho e ao arcabuzeiro. Trata-se de um atributo de poder, um símbolo de resistência, até mesmo de ressurgimento.
O artista propõe um ato de fé na imaginação. As múltiplas dimensões da relação entre o íntimo e o político aliam-se em todas as obras. Panteões sem fronteiras revitalizam e alimentam poeticamente o presente. Pode ser que surja uma nova cosmologia, que nos ofereça emoções inéditas.
Nos diables rouges, nos dérives commotions (Nossos diabos vermelhos, nossas derivas comoções) abre, intriga e inventa. Ao refletir sobre nossa interação atual com narrativas plurais, a história oficial, as formas ancestrais de espiritualidade, o mito contemporâneo, a exposição cria uma tensão ao mesmo tempo em que recarrega algumas das funções mais fundamentais da arte.
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Julien Creuzet, Nos diables rouges, nos dérives commotions, the hunter has a single arrow, his omniscient eyes, bon chemin, chaque bon matin, chemin chien (cible, flèche et boulet), 2025
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Julien Creuzet, Nos diables rouges, nos dérives commotions, our common necessity, we plow the dried-up land, chemin d’eau, des marées, nous pleurons, des perles salées (trident jaune), 2025
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Julien Creuzet, Nos diables rouges, nos dérives commotions, as long as we can we will look at the sky, I and I. Matinale lumière, zénithale poussière, orbital désert (anthropomorphique rouge), 2025
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Julien Creuzet, Nos diables rouges, nos dérives commotions, after sinking, long contemplation, holy blue, subliminal désir, occipital désire, enchantons l’atmosphère (autel coquillage), 2025
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Julien Creuzet, Nos diables rouges, nos dérives commotions, tête en liesse du mardi gras, 2025
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Julien Creuzet, Dent cariée du Crétacé. Dans la paume de nos mains, méandre androgyne, nacre délavée fêlure du sablier. Miséricorde, coffre tes murmures divinatoires sous les pieds de Andromède (corne jaune et bleue), 2025
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Julien Creuzet, Dent cariée du Crétacé. Dans la paume de nos mains, méandre androgyne, nacre délavée fêlure du sablier. Miséricorde, coffre tes murmures divinatoires sous les pieds de Andromède (croton vert à points jaunes), 2025
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Julien Creuzet, Dent cariée du Crétacé. Dans la paume de nos mains, méandre androgyne, nacre délavée fêlure du sablier. Miséricorde, coffre tes murmures divinatoires sous les pieds de Andromède (carapace megaptera), 2025
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Julien Creuzet, Nos diables rouges, nos dérives commotions, Sa zyé pa wè tchè pa fè mal. (oubli et chemin bleu assis), 2025
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Julien Creuzet, Nos diables rouges, nos dérives commotions, Sa zyé pa wè tchè pa fè mal. (oubli et chemin bleu sans ciel, les bras ouverts), 2025
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Julien Creuzet, Nos diables rouges, nos dérives commotions, Sa zyé pa wè tchè pa fè mal. (oubli et chemin bleu, ensemble), 2025
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Julien Creuzet, Nos diables rouges, nos dérives commotions, Sa zyé pa wè tchè pa fè mal. (oubli et chemin bleu, avant-bras, poing), 2025
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Julien Creuzet, our perceivable universe, our glassy eyes, how many stars, how many grains of rice to get lost at the speed of light, the time of a breath on an empty stomach, let us remain lying down. (fe(u) village, fe(w) village), 2025
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Julien Creuzet, our perceivable universe, our glassy eyes, how many stars, how many grains of rice to get lost at the speed of light, the time of a breath on an empty stomach, let us remain lying down. (mer), 2025
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Julien Creuzet, our perceivable universe, our glassy eyes, how many stars, how many grains of rice to get lost at the speed of light, the time of a breath on an empty stomach, let us remain lying down. (medecine), 2025
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Julien Creuzet, Nos diables rouges, nos dérives commotions : De l’eau du large, ivrogne, de l’eau en étendue, pour se laisser dévorer, Gorgone, une surface pour s’étendre, de l’eau une face, se défendre, miroir. Ne pas croiser nos yeux, nos états vitreux, bien-heureux, n, 2025
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Julien Creuzet, Nos diables rouges, nos dérives commotions: De l’eau du large, ivrogne, de l’eau en étendue, pour se laisser dévorer, Gorgone, une surface pour s’étendre, de l’eau une face, se défendre, miroir. Ne pas croiser nos yeux, nos états vitreux, bien-heureux, no, 2025
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Julien Creuzet, Nos diables rouges, nos dérives commotions : De l’eau du large, ivrogne, de l’eau en étendue, pour se laisser dévorer, Gorgone, une surface pour s’étendre, de l’eau une face, se défendre, miroir. Ne pas croiser nos yeux, nos états vitreux, bien-heureux, n, 2025
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Julien Creuzet, Nos diables rouges, nos dérives commotions : De l’eau du large, ivrogne, de l’eau en étendue, pour se laisser dévorer, Gorgone, une surface pour s’étendre, de l’eau une face, se défendre, miroir. Ne pas croiser nos yeux, nos états vitreux, bien-heureux, n, 2025
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Julien Creuzet, Nos diables rouges, nos dérives commotions : De l’eau du large, ivrogne, de l’eau en étendue, pour se laisser dévorer, Gorgone, une surface pour s’étendre, de l’eau une face, se défendre, miroir. Ne pas croiser nos yeux, nos états vitreux, bien-heureux, n, 2025
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Julien Creuzet, Nos diables rouges, nos dérives commotions: De l’eau du large, ivrogne, de l’eau en étendue, pour se laisser dévorer, Gorgone, une surface pour s’étendre, de l’eau une face, se défendre, miroir. Ne pas croiser nos yeux, nos états vitreux, bien-heureux, no, 2025
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Julien Creuzet, Nos diables rouges, nos dérives commotions, Dioscorea alata (hallucination, Louvre, pariétal, oeil d’Anolis), 2025
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Julien Creuzet, Nos diables rouges, nos dérives commotions, Dioscorea alata (hallucination, Louvre, pariétal, clou et fer à cheval), 2025
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Julien Creuzet, Nos diables rouges, nos dérives commotions, Dioscorea alata (hallucination, Louvre, pariétal, coquillage n° Ho 28314), 2025