Sweet Adriano Costa

Apresentação

Adriano Costa: Sweet

Receber uma mensagem de WhatsApp de Adriano Costa às quatro da manhã passa a fazer sentido quando a gente entende a rebelião temporal que está no cerne da sua prática. Enquanto a Europa inicia um novo dia de trabalho e Nova York ainda dorme, ele está acordado no ateliê em São Paulo, cercado por materiais que a maioria das pessoas chamaria de lixo tratando-os como velhos amigos com histórias complicadas. Não se trata de insônia, e sim de resistência aos relógios sincronizados do capitalismo global. Ele segue uma lógica temporal própria, na qual um pedaço de pano pode ficar guardado numa mala por dois anos, até virar uma coisa completamente diferente.

“Não acredito em materiais porque eles não existem. Tudo é um animal”, diz Costa, com uma seriedade que faz você perceber que ele não está brincando, mesmo quando parece que está. Ao caminhar por sua nova exposição Sweet, na Mendes Wood DM, na Place des Vosges, você encontra esculturas de bronze que talvez sejam um adeus, pedras usadas como campos de teste, objetos suspensos entre proteção e alteração da mente. Cada peça parece ter encontrado seu lugar exato diante dessas paredes centenárias — como se o espaço histórico estivesse esperando justamente por essas montagens.

Em hat or umbrella or LSD (microdose) (2025) o bronze se mistura ao mármore e ao concreto em composições que que se recusam a ser facilmente categorizadas.. O título realiza o mesmo tipo de deslizamento semântico que a psicanalista Julia Kristeva mapeou em seus estudos sobre a melancolia — esse terreno fértil onde os significados convencionais se desfazem. Kristeva chama isso de “assimbolia crônica”, a quebra da função simbólica que a maioria das pessoas vivencia como perda, mas que ela reconhece como um estado inesperadamente criativo. O ateliê de Costa parece a materialização física desse conceito: objetos em estados liminares, que recusam seus usos originais e vão se transformando, aos poucos, em algo que ainda não tem nome.

 Há também Be sweet – comment te dire adieu (2025), uma obra em bronze de dimensões variáveis que encarna a abordagem de Costa ao que poderíamos chamar de vandalismo suave. A peça se expande e se contrai como a própria memória, com um título bilíngue que sugere todas as despedidas que nunca se concretizaram. Francês e português se entrelaçam, insinuando partidas múltiplas — da linguagem, do sentido fixo, da certeza de que os finais são definitivos. O trabalho ilustra a ideia de Kristeva de que a quebra entre o melancólico e a linguagem simbólica convencional pode se tornar uma fonte de novas e inesperadas possibilidades de expressão. 

Enquanto isso, sampler (2025) trata a pedra — o mais permanente dos materiais — como um campo de testes para o acrílico e o esmalte, a cor e a possibilidade. É o tipo de gesto que nos leva a repensar o que os materiais deveriam fazer, como deveriam se comportar. Na visão animista de Costa, os objetos têm espírito e humor, agência e resistência em igual medida. Eles colaboram com a própria transformação, seguindo ritmos que nada têm a ver com prazos de produção ou calendários mercadológicos. 

“Às vezes, o colapso é mais interessante do que o sentido”, ele explica — e poderia ser a própria Kristeva falando sobre o potencial criativo oculto no aparente vazio da melancolia. Os materiais de Costa passam pelo mesmo processo que ela descreve: desenvolvem formam alternativas de produzir sentido quando os sistemas simbólicos convencionais deixam de funcionar. Eles existem em estados de constante devir, sem jamais se fixar em identidades definidas, acumulando novas associações ao longo de meses ou anos de vida no ateliê. 

O que emerge em Sweet é o que Costa chama de “nostalgia do próprio sentido” — não um luto por um significado perdido, mas um reconhecimento agridoce de que o sentido está sempre mudando, sempre se transformando em outra coisa. Cada trabalho responde à atmosfera específica da Place des Vosges, mantendo seu compromisso com a transformação como uma forma de resistência que, de algum modo, permanece delicada. O cenário histórico potencializa esse diálogo entre preservar e mudar, entre o que permanece e o que se transforma.

“Tudo está vivo”, insiste Costa, e, ao passar tempo com esses trabalhos, você começa a acreditar nisso. Seguindo as ideias de Kristeva sobre a criatividade melancólica, a exposição mostra como a queda pode virar salto, como a falha da linguagem convencional abre espaço para novas formas de expressão que soam mais honestas diante da instabilidade de tudo o que achamos que sabemos. Nas mãos de Costa, a destruição vira uma espécie de carta de amor, os fins se tornam começos, e o mundo descartado revela sua vitalidade oculta.

— Fernanda Brenner 

Obras
Vistas da exposição