Silver Leticia Ramos
Leticia Ramos apresenta Silver, um conjunto de trabalhos que ocupa uma sala da Casa Iramaia e investiga a trajetória da luz em relação às superfícies materiais, às paisagens e aos panoramas cósmicos. Neles, Ramos recorre aos recursos do laboratório fotográfico e da cameraless para encenar um encontro entre aparelhos técnicos e o contingente, produzindo imagens que operam entre a presença espectral e a inscrição material. Composições luminosas tensionam visibilidade e escuridão, funcionando como esquemas que desafiam paradigmas de representação e refletem a preocupação da artista pelas possibilidades ainda pouco exploradas na intersecção entre arte e ciência. Sua prática se desenvolve por meio de projetos extensos, com forte afinidade com o cinema experimental, tanto no uso do suporte material, nas qualidades ópticas, quanto na atenção à duração, à encenação e à organização dos eventos. Essas investigações, expressas como séries interconectadas, se desdobram por meio de experimentação meticulosa e resultam de pesquisas contínuas realizadas em seu ateliê em São Paulo.
Em superfícies arranhadas, feixes de luz emergem como intrusões ou sujeitos furtivos no campo fotográfico. As obras valorizam operações detalhadas e elementares, como cortar, colar e riscar, transformando-as em deformações da convenção fotográfica. A artista abraça os desafios dos processos analógicos e transforma a indeterminação técnica em potência criativa. Ramos descreve seu processo como “uma reflexão” sobre o que acontece no ateliê, onde cada obra carrega simultaneamente “uma força” e existe “dentro de certa precariedade dos efeitos especiais analógicos”. Sua pesquisa assume a contingência tanto como limitação quanto como possibilidade.
“Cada fotografia da exposição é produzida de uma maneira diferente, mas todas têm origem no laboratório de fotografia analógica”, explica a artista. “O papel fotossensível contém uma superfície prateada fixada em gelatina que cobre toda a folha. Quando essa prata recebe luz, ela oxida e escurece”. As obras empregam diversas técnicas: desde Silver, com seus negativos construídos criando composições de sombras, até White Noise, gerado pela trajetória matemática de um pêndulo de luz movido pela gravidade, e Riscos, que funde projeção com intervenção direta. São fotografias sem câmera, únicas, construídas de forma semelhante ao desenho, usando luz e sombra para criar esses ambientes”. Coletivamente, as obras examinam o caminho da luz tanto no espaço quanto na fotografia.
Ao pensar seu trabalho como “paisagens fictícias e impossíveis” em constante construção, literalmente inscritas por meio do contato físico, Ramos questiona a autoridade histórica da imagem técnica e revela seu potencial ainda inexplorado. Os motivos recorrentes de horizontes sugerem territórios que oscilam entre a documentação empírica e a projeção psíquica, onde procedimentos metódicos se encontram com a força, por vezes explosiva, da especulação artística.