Representational markings Bendt Eyckermans
COISAS QUE EU PODERIA TER DITO
Eu era para ter encontrado o Bendt em Antuérpia, por volta de uma da tarde numa terça-feira, mas aí aconteceu uma emergência terrível no meu apartamento: os canos estouraram e, de repente, tinha merda espalhada por todo meu quintal – que, para ser honesto, eu já nem cuido muito, especialmente nos meses de inverno, quando ele fica com cara de selva deprimida. Fiquei ali parado, pensando: como seria se o Bendt pintasse essa cena? Será que ele acrescentaria alguns corvos, como em The Feast [O Banquete], com asas brilhantes e cromadas, prontos pra me apagar? Ou mudaria o tempo, colocando um pôr do sol em pleno inverno, como em The Swamplands [Os Pântanos], um céu vermelho e cru, como carne exposta? (O óleo sobre linho faz as pinturas parecerem iluminadas por dentro, como se por uma chama baixa.) O tempo coagula. Meu trem foi embora sem mim. Pensei naquela música do Wire, The Other Window: “O tempo passa como costuma passar...”¹ Fiz algumas ligações. Voltei pra dentro de casa. Fiquei pensando em todas as coisas que eu poderia ter dito.
Talvez eu tivesse começado perguntando ao Bendt qual foi o último filme que ele assistiu. Olhando para as pinturas dele, pensei muito nos filmes do Roy Andersson, como Songs from the Second Floor, que, assim como as obras do Bendt, são compostos só de tableaux sinistros, com uma atmosfera estranha e seca, quase burocrática. (Exemplo: um homem coberto de fuligem segura uma sacola queimada num trem de subúrbio. Ninguém parece assustado.) É aquela sensação de que as coisas são reais e, ao mesmo tempo… não são. Não de um jeito espalhafatoso, mas com uma sensação discreta, porém incontornável, de não se sentir muito em casa em lugar nenhum. Um deslocamento sutil. Um tempo instável. Tudo ainda mais estranho porque, ao que parece, as coisas continuam seguindo normalmente.
Eu não teria perguntado de onde vem uma pintura. Ninguém sabe direito o que isso quer dizer, nem como responder. Pesadelo? Remédio errado? Digo, a imaginação não dorme. As coisas surgem de uma névoa esquisita, encostam na sua mão de leve enquanto passam. E depois somem. Aí você fica se perguntando: o que foi aquilo? Por que veio até mim?
Talvez eu tivesse mencionado o Magritte, sentindo aquela estranha obrigação por estar na Bélgica. O Bendt provavelmente teria dado de ombros e dito que ia chover mais tarde. Nuvens se multiplicando como tumores.
Eu poderia ter voltado aos corvos. Falar sobre como as pernas do homem e da mulher estão desmembradas em The Feast – e que tipo de mundo é esse em que parece que estamos presos. Talvez eu tivesse me perguntado em voz alta se as pinturas falam sobre assombração — e qual seria o assombro delas... (Jean Cocteau? Monica Majoli? Representações hiper-realistas e barrocas da carne? Quando a gente se aproxima de Graves and Idols [Túmulos e Ídolos], parece até que sangue corre sob a carne marmorizada). Assombro certamente teria sido algo presente na minha cabeça, desde que soube que o Bendt trabalha no estúdio que era do avô dele – o que deve deixar algum tipo de marca psíquica na obra (eu me arrependeria de dizer isso...). Talvez crie uma sensação de continuidade. Ou tristeza. Fantasmas sentados à sua frente, à mesa, pela manhã.
Eu teria mencionado The Pig [O Porco], que me dá a sensação de estar invadindo um filme pornô dirigido por Michael Haneke – aquela renderização desconcertante em 8K da jaqueta de couro, a câmera dos anos 90, a jaqueta dele. Pele de animal, então, sim: carne. As pinturas do Bendt têm uma certa suavidade, mas não uma suavidade agradável ou acolhedora – é algo mais próximo da pele, morno, sugerindo um mundo fora de foco, como se você tivesse tomado uma superdose de tranquilizantes numa tarde de primavera...
As esculturas acrescentam uma camada extra de arrepio, como se viessem de outra época – anos 1920, talvez. Relógios derretendo, sombras alucinógenas, leopardos rondando cavalheiros de smoking e damas de vestido longo, bebendo coquetéis, falando várias línguas ao mesmo tempo.
Talvez essa fosse a deixa para fazer uma caminhada, ver como um mundo se transforma ou se alimenta de outro. Talvez a gente parasse numa rua qualquer, e o Bendt apontasse para umas árvores meio bruxas e dissesse que eram as árvores de The Swamplands, e, num tranco de quem cai da cama, eu lembraria onde estava. E teria dito: “Preciso ir, antes que eu perca meu trem.”
– Charlie Fox
1. Uma música que, agora que penso nisso, mas que curiosamente não me ocorreu na hora, fala sobre a jornada inquieta de um homem em um trem estrangeiro rumo a um lugar desconhecido.
Bendt Eyckermans (nascido em 1994, Antuérpia, Bélgica) vive e trabalha em Antuérpia.
As exposições individuais do artista incluem Mendes Wood DM, Bruxelas (2025); Gallery Sofie Van de Velde, Antuérpia (2023); Carlos/Ishikawa, Londres (2023); Andrew Kreps Gallery, Nova York (2022); TANK, Xangai (2022); Gallery Sofie Van de Velde, Antuérpia (2019); Carlos/Ishikawa, Londres (2019); S.M.A.K., Gante (2018); Kusseneers Gallery, Bruxelas (2018); Kusseneers Gallery, Bruxelas (2017); Kusseneers Gallery, Bruxelas (2016); Park Spoor Noord, Antuérpia (2016); Antwerp Tower, Antuérpia (2016); Hof ter Biest, Ekeren (2016); Troncaise (2016); Handelsbeurs, Antuérpia (2015); Marion de Canniere Gallery, Antuérpia (2014); e Galerie van Campen en Rochtus, Antuérpia (2013).
Suas exposições coletivas incluem S.M.A.K., Gante (2025); The Perimeter, Londres (2025); The Campus, Hudson (2024); M HKA, Antuérpia (2024); Andrew Kreps Gallery, Nova York (2021); M HKA, Antuérpia (2021); Kunstfestival Watou, Watou (2021); CC Mechelen, Mechelen (2018); e Plus One, Antuérpia (2017). O trabalho de Eyckermans faz parte das coleções do M HKA, Antuérpia; Rachofsky Collection, Dallas; Sifang Art Museum, Nanjing; e TANK, Xangai.