La rose de Paris Heidi Bucher
A pele da casa
A artista suíça Heidi Bucher (Adelheid Hildegard Müller, natural de Winterthur, Suíça), faz parte de um grupo de artistas mulheres de vanguarda muito ativas durante os anos 70, que caíram no esquecimento até conquistarem um reconhecimento tardio.1 Heidi Bucher alcança o reconhecimento com a grande retrospectiva Metamorphoses no Museu de Arte Contemporânea de Munique, Haus der Kunst em 2021. Pôde-se assim descobrir a amplitude dessa obra composta inicialmente de desenhos, de obras têxteis, de performances, para resultar em instalações espaciais, em grandes impressões em látex do mobiliário, das portas e janelas de um prédio, para preservar e materializar sua memória e incorporá-la fisicamente.
Heidi Bucher estudou moda e design têxtil na Escola de Artes Aplicadas de Zurique, com o professor Max Bill. Ela passa em seguida temporadas em Paris e Londres. Suas primeiras obras são colagens abstratas feitas com pedaços de conchas e de madrepérola como na obra La rose de Paris, de 1954. Após uma temporada em Nova Iorque, ela retorna à Zurique e se casa em 1960 com o artista Carl Bucher (1935-2015). Em 1970-71, em Montreal e Toronto, eles criaram juntos as Landings to Wear, esculturas vestíveis que foram expostas ao ar livre em Nova Iorque.
Em 1972-73, eles se instalam em Los Angeles onde Heidi Bucher se torna amiga de Ed Kienholz. No mesmo período, ela entra em contato com o meio da arte feminista, das performances e do body art. Heidi Bucher cria então as Bodywrappings e Bodyshells, esculturas de mousse sintética recobertas de madrepérola. Essas formas maleáveis são habitáveis e foram ativadas do interior por seu marido e seus filhos Indigo e Mayo quando deambularam vestidos com elas na praia de Venice. Tais obras futuristas formam a matriz do trabalho posterior de Heidi Bucher, pois são esculturas criadas à partir do corpo, nas quais o invólucro e o corpo estão intimamente ligados. São os movimentos do corpo que esculpem a forma assim como são as formas que modelam os corpos. Esse invólucro é igualmente uma concha protetora, quase animal, uma espécie de casulo possibilitando a eclosão de uma larva.
Heidi Bucher se inscreve igualmente com essa série na Soft Sculpture, tendência em voga nos anos 60-70, representada entre outros por Claes Oldenburg, mas também por inúmeras artistas em reação à rigidez e à verticalidade dos materiais habituais da escultura. Esses artistas então recorreram com frequência ao tecido, à materiais mais flexíveis, frágeis e líquidos. Essa tendência havia sido anunciada pela exposição Eccentric Abstraction de Lucy Lippard em 1966. As Bodyschells evocam igualmente o tema que vai se tornar recorrente na obra de Heidi Bucher, o da Mulher-casa, mistura de arquitetura e de elementos orgânicos, que será o fio condutor de suas obras futuras.
Heidi Bucher se aproxima assim, ao seu modo, da artista Louise Bourgeois que, desde suas primeiras gravuras e pinturas, inseria o corpo nu feminino em uma arquitetura rígida. « A escultura é o corpo, meu corpo é a escultura », ela dizia. Esse tema pode evocar o confinamento doméstico da mulher na casa, mas também dar um valor simbólico ao quarto, ao espaço da casa familiar que pode ser uma extensão do imaginário ou uma prisāo sufocante.
A partir dos anos 80, Heidi Bucher se separa de seu marido, instala seu ateliê em um antigo açougue na cidade de Zurique e inicia suas impressões em látex de fachadas, portas e janelas.
Esse método extremamente específico esclarece o sentido de sua abordagem. A artista aplica gaze e latex líquido sobre as superfícies a serem recobertas, - seja em uma fachada, ou em portas, janelas, camas, uma balaustrada, um corredor – e depois, uma vez que o líquido seca, ela arranca literalmente essa fina membrana que tomou todos os detalhes do elemento e em seguida suspende essa pele na parede. Trata-se então de uma esfoliação, sem dúvida a única maneira para a artista de se apropriar do espaço moldado, de exorcizar medos ou traumatismos quando se trata da casa da infância, de um asilo ou de um hotel anteriormente ocupado pelos nazistas. O resultado está a meio caminho entre a pintura, a escultura e a arte têxtil. É também um cobertor, um véu, ou asas, como podemos ver nas fotografias onde Heidi Bucher se envolve, se veste com retalhos de carne afirmando assim o laço entre a arquitetura e a vestimenta. Vestimenta que adquire aqui a sutileza da troca de pele da cobra.
A escolha das superfícies não é aleatória. Ela realiza inicialmente uma impressão do seu ateliê e mais tarde estende sua busca à casa de seus avós (Ahnenhaus, Obermühle), à Sala dos homens da casa familiar (Herrenzimmer,1977-1978), ao sanatório abandonado de Bellevue, ao Grande Albergo Brigasso de Locarno. Heidi Bucher não se dedica somente às fachadas mas também ao mobiliário, como em suas impressões de cama, e a detalhes arquitetônicos como a grande balaustrada branca. Encontramos também a impressão da concha incrustada em uma almofada. As cores oscilam entre tons de cinza, ocre, marron e às vezes branco perolado.
Ao fim da vida, quando Heidi Bucher se instala em Lanzarote, nas ilhas Canárias, ela realiza a impressão da porta de sua casa em tons de verde. É uma forma de marcar seu território, de guardar a alma de um lugar, seu espírito, arrancando os segredos ocultos na arquitetura. Heidi Bucher nos entrega, assim, uma obra enigmática, espectral e espetacular que faz a ligação entre o corpo , o indivíduo, sua subjectividade e o espaço social exterior, afirmando assim o elo entre o íntimo e o político.
– Marie-Laure Bernadac
1 Sua obra foi exposta anteriormente no Migros Museum em Zurich em 2004 e também foi tema de uma monografia publicada pela editora Presses du Réel em 2005. Na França, sua primeira exposição individual foi realizada no Centro Cultural Suíço de Paris, em 2013.