What happens at the seaside at dawn? Laís Amaral

Apresentação

Mendes Wood DM New York

What happens at the seaside at dawn? A Mendes Wood DM tem o prazer de apresentar a primeira exposição individual da artista Laís Amaral em Nova York. 

Pensar sobre os elementos do mundo natural mais misteriosos aos nossos olhos em ambientes urbanos contemporâneos desencadeia um sentimento que Laís Amaral descreve como um anseio pela memória da natureza. A artista vincula esse anseio a experiências de reconhecimento e pertencimento - uma provocação conceitual fundamental para explorar as relações entre a sociedade e o meio ambiente, construindo uma prática e uma linguagem visual que se afirma como um credo de liberdade. 

O corpo de trabalho de Amaral, composto de pinturas e desenhos de mídia mista, emprega tinta junto com objetos do cotidiano por meio de camadas vigorosas, aplicação de padrões e remoção de cores. Esse processo orgânico, impulsionado tanto por escolha quanto por convicção, explora camadas de memória e história como etapas essenciais na criação de “pinturas dentro de pinturas”. Ao longo desse caminho, a linguagem visual recorrente de Amaral é maleável, unindo referências de vários sistemas existentes ou inventados. Assim, é natural reconhecer formas orgânicas, urbanísticas ou geográficas familiares que surgem em seu trabalho.

Com base no início da carreira de Amaral como assistente social e em seu ativismo no coletivo Trovoa, totalmente feminino e não branco,[1] sua prática desafia as expectativas sociopolíticas da representação figurativa. Abraçando a pintura em um idioma não figurativo como uma oportunidade de determinar o próprio conjunto de definições da artista e de seu coletivo, a jornada de Amaral rumo à liberdade criativa a inspira continuamente a refletir sobre suas origens como pintora cujas experiências e influências não vêm de uma formação acadêmica m pintura. Muitas vezes, movendo-se na contramão, ela relembra a complexidade de reivindicar seu espaço como uma artista afro-brasileira em um campo frequentemente pouco receptivo a abordagens não tradicionais.

Trabalhando inteiramente em Nova York até a exposição, Amaral criou obras para What happens at the seaside at dawn? que reúnem uma coleção de memórias e observações moldadas por suas experiências na cidade. O uso da cor por Amaral começa com a aplicação de uma camada de preto. Em vez de apagar ou ofuscar, essa ação deliberada é vital para sua abordagem não figurativa. Camadas sobrepostas, posteriormente raspadas para criar dimensões, são lançadas livremente, muitas vezes repetidamente, criando uma colcha de retalhos de referências visuais. As etapas subsequentes - gravura, marcação, reaplicação ou sobreposição - são realizadas continuamente no estúdio, em um processo semelhante à montagem de um quebra-cabeça, em que cada peça se encaixa de acordo com seu próprio conjunto de regras.

Amaral depende de utensílios domésticos para remover a tinta de suas obras, especialmente aqueles que ela usa para manipular seu próprio corpo, como os pentes garfo. Inicialmente, ela trabalhou com essas ferramentas porque elas estavam prontamente disponíveis e expressavam algo integral à sua arte que outros implementos não conseguiam. Enquanto crescia, Amaral às vezes sentia vergonha das características e representações de pessoas pretas e notava que adotar determinados penteados significava se adequar a padrões de beleza predominantemente ditados por arquétipos caucasianos. Ao trabalhar com ferramentas destinadas a cuidar de outros tipos de cabelo, especialmente penteados afro, Amaral afirma sua identidade e celebra a legitimidade de existências multiculturais.

Notavelmente, o fluxo e o poder da água têm sido os principais temas da vida e da carreira de Amaral. Isso se aplica aos seus compromissos profissionais anteriores no mapeamento de padrões de desertificação e na pesquisa de suas consequências em topografias sociais. E às lembranças profundas do tempo passado com a sua mãe em Aracajú, Brasil, observando padrões intrincados criados pela vida selvagem nas primeiras horas do dia ao longo da costa. Sua terra natal, o Rio de Janeiro, uma cidade construída em grande parte pela reivindicação de terras do mar, em muitas iterações de sua história moderna, testemunhou a construção de vastas áreas novas com o despejo de areia na costa para abrir espaço para o desenvolvimento urbano. Em Nova York, onde trabalhou tendo como pano de fundo diversos sistemas de água, Amaral observou a estrutura social da cidade, muitas vezes fazendo referência aos grids, em relação à sua formação natural e “natureza radical” frequentemente negligenciadas. Fora de seu estúdio temporário, ela viu como diferentes áreas são estruturadas de acordo com sua proximidade com a água e, mais importante, como são limitadas por sua distância dela. A água, como a força ideológica que flui através desta exposição, serve como uma fonte poderosa para se envolver com questões de apagamento e resistência.

Como artista, Amaral continua a mergulhar na pesquisa, estabelecendo conexões com muitas fontes de conhecimento, incluindo seu próprio despertar espiritual. Interagir com o rico patrimônio cultural dos sistemas de crenças afro-brasileiros nos últimos anos significou retornar a uma tradição familiar que havia sido esquecida ou “apagada”. Esses retornos se opõem a projetos hegemônicos de organização social fundamentalmente ligados ao branqueamento social, uma desertificação e reorganização das dimensões subjetivas e espirituais da vida das pessoas. Ao resgatar a memória, especialmente a memória da natureza, Amaral batiza sua primeira exposição em Nova York de What happens at the seaside at dawn?  [O que acontece à beira-mar de madrugada?] Essa pergunta transcendente nos convida a estudar os meandros dos vínculos entre as paisagens sociais e naturais, trazidos à tona pela linguagem visual singular da artista.



[1] Fundada em 2017 no Rio de Janeiro por Laís Amaral, Ana Cláudia Almeida, Carla Santana e 

Ana Clara Tito.

Obras
Vistas da exposição