Ode to Twisted Gods Pol Taburet
Ô paysage de diamant violenté de mains d’acide […] » 1
Anthony Phelps, Motifs pour le temps saisonnier, 1976
A cultura não é um bloco único; ela é um lodo lamaçento que carrega os grandes êxtases e as histórias mais trágicas de nossos ancestrais e o qual exploramos como podemos. Ela é um arquipélago infinito de ilhas submetidas a um movimento contrário à deriva dos continentes, aproximando-se e chocando-se fatalmente, abrindo brechas e desenhando montes. Pol Taburet sabe disso, por pertencer a uma geração para qual o mundo é quase inteiramente disponível, que coleta e acumula elementos dispersos nas zonas ainda dissociadas da cultura, para amalgamá-los em uma experiência nova, sempre miscigenada.
Sentado uma noite na Praia do Porto da Barra, Pol gosta de se definir como um artista romântico, aspirando, na noite cintilante e infinita, à benção de um William Blake ou de um Francisco de Goya. «Neo-afro-romântico», ele corrige, pois ser romântico implica necessariamente em não se fixar a um lugar; é cultivar a terra fértil das contradições e das fronteiras entre real e imaginário, passado e futuro, fatos e mitos, Norte e Sul, alienação e elevação, cultura comercial e cultura autêntica.
Desde que Michaël Löwy e Robert Sayre reescreveram a história do romantismo, sabemos que ele não é apenas o reino das almas frívolas e desesperadas, trancadas em suas lágrimas como burgueses em suas casas. O romantismo propõe uma "crítica moderna da modernidade", contrapondo ao real um "irrealismo crítico". A Blake que se perguntava se as colinas da Inglaterra agora cobertas dessas "sombrias usinas demoníacas" acolhiam no passado uma "presença divina", um antigo provérbio haitiano responde que "atrás dessas colinas, existem colinas", que o mundo visível não nos diz tudo.
A colina da Bahia, massa que brilha na tênue luz vespertina, torna-se para Pol um tema capaz de entravar as fantasias que ela invoca. A essas "imagens poluentes e sedutoras", como ele as chama, ele procura opor, usando o formato publicitário do billboard, outras imagens, inevitavelmente irrealistas e críticas. Elas pronunciam a sentença dos sonhos perdidos, de um Eldorado ilusório onde ressoam as palavras de Aimé Césaire, que descrevia «paisagens de vidros estilhaçados», onde se encontram «flores vampiras» que se alimentam do «açúcar da palavra Brasil no fundo dos pântanos».
De São Paulo, onde ele vive temporariamente, Pol compõe um universo cujas coordenadas não são escritas na língua aritmética da Razāo. Em vez disso, ele privilegia a fala estranha e sutil dos contos e mitos narrados durante as "vigílias negras", aqueles que implicam "esse sal créole tão decididamente avesso às traduções" apreciado por Léon-Gontran Damas.
Dizem que os contos créole começam sempre com um "et cric et crac", um estalo, uma fratura na ordem do silêncio necessária à convocação dos deuses. Pol matizou sua gama de cores habitualmente incendiária, com tonalidades surdas, introduzindo o peso do silêncio em seu discurso, um "silêncio povoado de silêncio" para usar os termos de Édouard Glissant. Mas essas cores sufocadas devem ser confrontadas à figura de um deus supremo; um deus dos deuses pairando nos ares, transformando seu nariz em trompete, para, por sua vez, soar o chamado de retorno dos espíritos, para pôr em marcha a ordem do mundo racional. Desse modo Pol convoca o cortejo de seus deuses e gênios - aqueles que se encontram somente no coração dos vulcões, como essas cabeças de bronze que surgem cobertas de enxofre e que tomaram os cumes dos prédios, subjugando a cidade grande. Há portanto as figuras míticas e rituais que ele traz do quimbois de Guadalupe, do vodu do Haiti ou do candomblé do Brasil. Há também figuras tiradas de lendas urbanas, como a de Candyman, vítima de um abominável crime racista no bairro popular Cabrini-Green em Chicago, onde ele foi coberto de mel e entregue aos ferrões das abelhas. Desde então dizem que ele volta para se vingar quando seu nome é pronunciado diante dos espelhos desses apartamentos miseráveis.
Uma forma de melancolia cria raízes; ela é instável, ela é mestiça, é uma saudade – palavra que só existe no espaço lusófono e que designa algo como uma nostalgia prospectiva: uma nostalgia do porvir. Paradoxalmente, é nessa consciência infeliz do Homem moderno que nascem suas melhores esperanças: as de retorno dos excluídos, de uma derrubada total dos valores estabelecidos, aquelas que nos farāo voltar ao que André Breton chamava as "zonas ultra-sensíveis da Terra», onde é bom cantar uma Ode aos deuses perversos.
1 « Ó paisagem de diamante violentada de mãos de ácido […] » [tradução livre]
— Guillaume Blanc-Marianne
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