Estude fundo Laís Amaral

Apresentação

­Estude fundo, a primeira exposição individual de Laís Amaral na Europa, ocupa o espaço expositivo da Mendes Wood DM Bruxelas com trabalhos recém-produzidos pela artista.

“Tenho pensando muito em desenvolver uma linguagem subjetiva por meio da pintura não figurativa. Minha principal abordagem é trazer referências da natureza, dentro do meu estudo sobre a desertificação no Brasil, comparando formas de vida áridas com estratégias para suavizar o nosso modo de pensar ao focar especialmente na população racializada que compõe o Brasil.
­Estude fundo é um convite para se envolver na prática de registrar um mundo usando códigos e comunicações não brancos e, com isso, criar um caminho para nos identificarmos de novo com a natureza. É também uma forma de afirmar um sentido de permissão e uma busca pela liberdade na pintura abstrata, estabelecendo códigos que, para mim, também estão ligados ao papel da pintura dentro da espiritualidade.”– Laís Amaral, 2023

Esta série de trabalhos evidencia a habilidade experimental e confiante de Laís Amaral, transmitindo seu interesse em descentralizar o antropocentrismo por meio de um léxico de códigos afetivos não figurativos. As constelações de significados em diferentes pinturas produzem um imaginário permeável, no qual uma série de relações é desenvolvida graças a um emaranhado feito de textos, subtextos e gestos que trazem em si os aspectos políticos e sociais da abstração não objetiva de Amaral.

Produzidas a partir de uma interação entre a escala e a dimensionalidade tátil de uma abordagem pictórica em camadas, essas imagens sugerem pontos de continuidade e fluxo conduzidos por um léxico de códigos e símbolos que reaparece em diferentes telas. Um sistema de hastes delicadas, ramificações e esferas atravessa caminhos angulares, em planos tensionados e elásticos, tudo isso feito com uma paleta de cores controlada que produz um tempo concomitante, um mundo mútuo, colocando Amaral como a transmissora de uma consciência transcorpórea que nos orienta na navegação por estruturas que parecem ter pouca semelhança com fatos terrestres.

Por meio da saturação visual e da escala, Amaral reduz a distância entre a enormidade do desmatamento e a urgência dos corpos, implicando o espectador na relação cocriativa entre conhecimento, espaço e elaboração de significado. Aqui, você está diante de um conjunto de ondas paralelas, sendo a separação das entidades realizada por uma fenda que percorre o centro da tela. Linhas vivas pulsam por cada onda, trazem ritmo e movimento, que começam e terminam na crista espumosa das ondas que se estendem por praias intermináveis, em um espaço espesso, contínuo, que abriga tanto uma sensação de umidade quando de aridez.

Não há qualquer sugestão de temporalidade. O “lugar” já foi despido em meio a continuidades e mudanças. O “quando” desses trabalhos é expansivo, sensível ao protagonismo vegetal. Em Sem título XI, da série Cimento e água, Gamboa (2023), por meio de padronizações, de vários pontos focais e do que parece ser um horizonte ambivalente, cor e forma ancoram o campo de referência, enquanto caules sem ramos oriundos de um ambiente austero e esporos orbitais brancos e perfurantes realizam um lirismo visual ao se aproximarem da parte de baixo da tela.

Em Sem título, da série Sujeito de sua própria enunciação (2023), notamos a ausência do corpo da árvore. As formas desapegadas, lembrando folhas secas, fluem ao redor e entre os polos austeros, enquanto emergem de um solo fluido e projetam-se de forma árida para cima.

As diferenças na marcação e na coloração dos trabalhos tornam visível a porosidade da leitura dos corpos vegetais como arquivos, cultivando uma sensibilidade corporal herdada e bifurcada, que busca comunicar uma complexa teia de imbricações históricas, políticas, biológicas, ecológicas e econômicas de saberes que se manifestam na interseção de uma política que reconhece a justiça racial e ambiental.

A série Faceira traz um reconhecimento de crise, recuperação e renúncia em três superfícies que associam a força de oposições irreconciliáveis com o registro das camadas mais escuras de tinta e as sucessivas camadas de ouro. A pincelada na tela final tem uma qualidade febril, com as camadas iniciais de preto e ouro mal respirando sobre a camada de tinta branca. Simbolicamente, o branqueamento se refere a estados de desânimo e talvez, ainda mais, a desconexões e rejeições psicossomáticas.

As camadas subjacentes e estranguladas ainda pulsam, operando como metáforas para uma exuberância negra animada por um sentido de resistência social e política contra a supremacia repressiva dos apagamentos ideológicos e do embranquecimento. A membrana branca não permanece branca. À medida que reivindica a superfície, ela também é alterada e afetada pelas camadas predominantes.

Em Sem título IV, da série Fio (2023), um branco viscoso é tecido através da tela. A distribuição imprecisa e assimétrica da tinta branca na superfície sugere a supressão da vida procriativa em sua forma mais elementar. É um branco de um certo tipo: o das ausências e dos vazios, do oco e do nada, do vácuo e do esquecimento.

Vemos a destreza de Amaral para manipular a porosidade viscosa da tinta, e a disposição da tinta em dar sentido aos posicionamentos físicos de violências legítimas e ilegítimas, comunicadas nas variações transmutáveis dos brancos, que em outros momentos são percebidos como um substrato generativo sobre o qual a significação pode fluir e flutuar.

Este conjunto de obras navega por sensações, pensamentos e sentimentos que Amaral deseja que alcancemos enquanto percorremos a galeria – um espaço que descompartimenta a necessidade interior e um sentimento manifestado pelo movimento corporal na materialidade da pintura. A exposição é um gesto sofisticado em direção à recuperação epistêmica, propondo uma compreensão de fronteiras porosas entre as cada vez mais expansivas relações e ordens familiares, sociais, planetárias e cósmicas engendradas por ecologias naturais e culturais.  

— Nkule Mabaso



A pesquisa de Laís Amaral sobre os efeitos do colapso ambiental na sociedade contemporânea desempenha um papel fundamental em sua prática artística. Nos últimos anos, a artista se dedicou a observar como nos relacionamos com a natureza e a fragmentação que ocorre quando o corpo humano é separado do seu ambiente natural.
Encontrando prazer em desobedecer e contradizer as expectativas da abstração, suas pinturas criam uma linguagem sensível que não segue uma linearidade fixa. Como artista e artesã, Amaral incorpora à sua prática um forte vínculo com a produção manual, adicionando contas e outros materiais às suas pinturas, criando texturas que se entrelaçam com os acúmulos, as marcas e os arranhões que compõem as superfícies de seus trabalhos.

Obras
Vistas da exposição