Denominador Comum Fernando Marques Penteado

Apresentação

A mostra individual de f.marquespenteado que a Mendes Wood DM apresenta é a confirmação do assentamento do tempo dispendido pelo artista. O conjunto exibido evoca integralmente o bordado a mão, presença técnica preferencial entre as séries de trabalhos que compõem denominador comum.

O investimento acumulado por esse fazer manual perpassa com atenção e minúcia as tramas de prolongadas sessões laborais. Da condição tenaz de horas e horas sem interrupção, ora para se alcançar a abertura desfiada, ora a cerrada do cerzimento do tecido, o artista reúne em uma mesma superfície objetos surpreendentes encontrados ao acaso no passo do transeunte. É o que podemos ver em A Casa (construção interior em caixa de faqueiro), Refúgio distante (casulo de bucha vegetal, concha e bordado) e Facas 01 (bandeijinha), de 2011. Com habilidades de caçador urbano, f.marquespenteado evidencia seus readymades achados ao estilo da caçamba de rua e dos eventos garage sale (Família Muda) – como em o Refúgio distante 02 (pintura à óleo em recuperação, 2013), o Repouso da Guerreira(cadeira com almofada, 2012) ou as sem título (colagem com crochês sob tinturas manuais de balde, 2012).

Sobre a série malaise neo-concretista (dez peças em puro linho e uma em seda), o desenvolvimento do ponto atrás Fernando, recorrente na obra do artista (e desenvolvido a partir de seus estudos na Universidade Goldsmiths de Londres), embute em sua estrutura sequencial de quadrados, homenagens descompromissadas ao código visual da tapeçaria do casal Albers, ao rigor econômico do campo com letra, traço e nó de Mira Schendel, as cores e padrões dos panos de Leonilson – e até mesmo (e por quê, não?) aos detalhes de sofisticação no acabamento dos sofás Forma (Forma S.A., Móveis e Objetos de Arte em São Paulo, fábrica e loja fundada nos anos 1950 que detinha os direitos de reprodução de designers internacionais importantes. Foi comprada em 1997 pela Giroflex).

Tatilmente, o visitante é convidado a reflexão sobre as impossibilidades de medição do esforço físico e o uso (ou desuso) do tempo de si próprio, deixadas claramente à vista entre os trabalhos em exibição. Macias composições fechadas, geométricas, inspiradas na pureza de linhas bastante simétricas, nos fazem esquecer por saudáveis instantes da dureza sutil das obras criadas no cerne do movimento neoconcreto.

Em malaise neo-concretista há o toque vivo de uma revisitação, do que está posto bem ali à frente de nossos olhos: a sujeira da memória como valor de marcas indeléveis de contato do corpo com os tempos estóicos das vitrines desaparecidas de lojas de lenços. Como a pintura em filigrana sobre tecido ou do desenho que se apossa de um caderno costurado, restam os vestígios, e não há como limpar marcas de gavetas habitadas.

O ponto aberto para a infinita imaginação do conhecimento têxtil se arma feito um paraquedas, que produzido realmente em seda pura, conduzia suavemente do ar à terra os espiões das narrativas fantásticas da 2a guerra mundial. Sim, aqueles soldados que traziam amarrado como lenço de pescoço o mapa de reconhecimento do terreno inimigo. É sobre o atraente abismo do excesso de tal escolha estética que trata denominador comum, a exposição de f.marquespenteado.


 – Marcio Harum

Vistas da exposição