bárbara balaclava Thiago Martins de Melo
Ao observarmos as produções de Thiago Martins de Melo ao longo do tempo, diversos aspectos foram se decantando e culminam, agora, na série “bárbara balaclava”.
A pintura de Martins de Melo nunca foi, de fato, apenas bidimensional. Assim como a leitura de suas obras não pode ser dita como exatamente retiniana. Cada vez mais material, Thiago aprofundou essa fisicalidade e sua capacidade de revelar sentidos nas estruturas formais pictóricas e na materialidade das suas camadas, valendo-se de uma diversidade de técnicas pictóricas de textura para transcender, como quem procura dar vida à pintura.
“bárbara balaclava” é o resultado sublime dessas rupturas formais com a bidimensionalidade e mostram uma pintura expandida para o tridimensional, para a imagem em movimento e para som. Na série, Martins de Melo reforça o que o curador e crítico, Gunnar Kvaran, já havia identificado como a sua capacidade de “reinvenção da estrutura narrativa no universo da pintura”1 e que parece, além disso, ressignificar, também no conteúdo, o próprio uso e alcance conceitual dos tradicionais termos “antropofagia” e “canibalismo”.
As obras tratam das lutas não legitimadas, de pessoas e grupos vistos como “bárbaros”, não civilizados, não cidadãos. A balaclava é a invisibilidade, o desconforto ou a agressão causados pela máscara de batalha, que aniquila a identidade, a personificação e individuação, guarda o anonimato de opressores e oprimidos e, por isso, possui duplo sentido. A camiseta que encobre o rosto, a máscara de ferro de Anastácia, a máscara da tropa de choque, da polícia... e as tantas máscaras usadas socialmente, tanto por aqueles que temem as instituições quanto por aqueles que as representam.
O desejo, a libido ou as formas de expressão sexuais retornam fortemente às obras, com poder antropofágico, ritualístico e transmutador. Yin yang, animus e anima, androginia... poéticas da conjunção que tem como horizonte a liberdade.
O eixo da exposição é o filme “bárbara balaclava” do qual decorrem outras obras, que sintetizam e reforçam seus signos e significações. A exceção é uma obra que Thiago dedica a Tirésias2, Exu Duas Cabeças e São Sebastião, e que aborda questões de identidade de gênero, como a transexualidade. Em “bárbara balaclava”, Thiago explora o tempo de forma horizontal, quase quântica. A lógica deste tempo está mais ligada a uma “lei de causa e efeito” que à cronologia de eventos. No roteiro do filme, por exemplo, a heroína parece viver suas três vidas, de forma simultânea: uma suposta vida passada, como homem, escravo negro, arremessado ao mar de um navio negreiro; como mulher, recém-morta por efeitos da grilagem ou da desapropriação de terra e, ainda, como entidade encantada, que funde as existências anteriores num corpo imaterial andrógeno, coexistindo no agora, carregando consigo as cicatrizes, histórias e poderes destas existências.
No filme, há, também, uma micronarrativa para a heroína, realizada por intermédio do jogo do Tarô de Marselha, que trata dos aspectos da jornada arquetípica por ela vivenciada, como a antever a profundidade psicológica de suas experiências. Em uma das pinturas, Thiago narra a reencarnação de um bandeirante paulista no ventre de uma índia amazônica, numa negação da morte energética da história e de um fim para as jornadas pessoais espirituais. A lei do retorno não rompe com o passado, mas tem o poder de o presentificar.
Como previsto nos princípios de magia, os acontecimentos das narrativas e seus signos ecoam nas diversas dimensões, tempos e espaços, surtindo efeitos energéticos, manifestando-se com sincronicidades e propagações nem sempre sequenciadas.
Thiago Martins de Melo (São Luís, 1981) vive e trabalha entre São Luís e Campinas. Suas mostras individuais incluem "The World is Made of Stories", Astrup Fearnley Museet, Oslo (2015/2016); "Imagine Brazil", DHC/Art Foundation For Contemporary Art, Montreal (2015/2016); "10º Bienal do Mercosul - Mensagem de uma Nova América, Porto Alegre (2015)"; "1ª Bienal Internacional de Assunção - Grito de Libertad", Assunção (2015); "5ª Prêmio CNI SESI SENAI Marcantonio Vilaça", Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, São Paulo (2015); "O Ponto de Ebulição, PSM-Gallery, Berlim (2015)"; "Singularidade - Rumos Artes Visuais 1998-2013, Itaú Cultural, São Paulo (2014)"; "Singularidade-Rumo Visuais, Paço Imperial, Rio de Janeiro (2014)"; “31 Bienal de São Paulo", São Paulo (2014); "Imagine Brazil", Astrup Fearnley Museet, Oslo, (2013) e Lyon (2014); "Entre-temps... Brusquement, et ensuite", 12e Biennale de Lyon, Lyon (2013); "Caos e Efeito", Itaú Cultural, São Paulo (2011); "Os Primeiros 10 Anos", Instituto Tomie Ohtake, São Paulo (2011). Suas mostras individuais incluem “Teatro Nagô-cartesiano e o Corte Azimutal do Mundo", Mendes Wood DM, São Paulo (2013) e “Thiago Martins de Melo”, Mendes Wood DM, São Paulo (2011). Seus trabalhos integram as coleções permanentes do Thyssen-Bornemisza Art Contemporary, Viena; do Astrup Fearnley Museum of Modern Art, Oslo; da Rubell Family Collection, Miami; do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro - Coleção Gilberto Chateaubriand; do Museu de Arte do Rio, Rio de Janeiro; do Museu de Arte Contemporânea do Ceará, Fortaleza, e do Museu do Estado do Pará.
– Viviane Vazzi Pedro
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Thiago Martins de Melo, Grade, 2016
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Thiago Martins de Melo, Ela, 2016
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Thiago Martins de Melo, Seio acorrentado, 2016
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Thiago Martins de Melo, Vitiligo, 2016
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Thiago Martins de Melo, Despedida, 2016
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Thiago Martins de Melo, Crepúsculo, 2016
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Thiago Martins de Melo, Companheiro, 2016
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Thiago Martins de Melo, Coluna que anda sobre garras, 2016
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Thiago Martins de Melo, A reencarnação do bandeirante no ventre vermelho, 2016
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Thiago Martins de Melo, A biga do porta-bandeira vermelho, 2016