Teatro Nagô-cartesiano e o Corte Azimutal do Mundo Thiago Martins de Melo

Apresentação

A Mendes Wood DM tem o prazer de apresentar Teatro Nagô-cartesiano e o Corte Azimutal do Mundo, a segunda mostra individual do artista brasileiro de São Luis do Maranhão, Thiago Martins de Melo, na galeria.

Dentre os artistas plásticos brasileiros que sistematicamente desenvolvem sua pesquisa no campo da pintura, Thiago Martins de Melo é dos que com mais notoriedade se aplica em discussões polissêmicas e densamente narrativas.

Martins de Melo mergulha-se e distancia-se de vez em vez, como se sua vida fosse um instrumento de algo maior. Thiago não deixa um minuto passar, não há um segundo em vão, não há paragem, não há o não trabalho, o seu tempo é outro - ditado pela pintura. A plasticidade de sua obra é algo fundamental. O artista compreende que seus dípticos, trípticos e polípticos em enorme dimensão vingam-se por independência de superfície da imposta dicotomia representada pela mente versus corpo, que não por ingenuidade em sua obra, assume que esta separação simplesmente deixa de existir.

A prática de Martins de Melo parece estar situada em um tempo revisionário: recorre à memória cultural, por um meio dotado de historicidade como a pintura e reinventa, na contemporaneidade, personagens históricas, populações culturalmente diversas e entidades espirituais brasileiras, camponesas, míticas, indígenas e negras. Tais personagens são chamadas a retornar ao campo de batalha nas telas do artista, comunicando sua luta ao mundo da arte (e as elites intelectuais?).

Inspirados em Walter Benjamin poderíamos falar que o artista realiza o salto do tigre em direção ao passado, invocando, em favor de suas personagens, a imagem (...) que se oferece inesperadamente ao sujeito histórico num momento de perigo (Walter Benjamin, 1994, p. 224). Armadas por essa memória e suas assombrações, as personagens são criadas na contemporaneidade para reivindicar suas histórias e formas de expressão apagadas, construindo, no presente, um cenário futuro a partir da utopia e da visão onírica, idealista do próprio pintor.

Sua cosmologia parece tudo englobar. E sua pintura não apenas retrata: ela aconselha suas personagens para a continuação de suas histórias. O artista retrata o rosto de inimigos, mescla a moral com solidariedade social, incita vingança, realiza evocações a entidades e oferendas espirituais, narra tragédias e embates étnicos, em plena e caótica interação, chamando cada um que contempla suas telas a participar de um ritual – emotivo e racional – segundo o seu ângulo e mundo particulares. Sabe-se que o artista antecipa o seu tempo e as formas de linguagem de uma época. E nesse contexto temporal, marcado pela crise epistemológica da ciência, pela reinvenção de ideais emancipatórios de libertação social, pela celeridade das informações, por novas formas de expressão e aprofundamento democrático, que se inserem as obras do autor. Acentuando esse contexto, os signos narrativos de Thiago Martins de Melo causam estranheza, não apenas por refletirem o paradigma da complexidade, mas por revelarem na pintura elementos cotidianos de sua experiência amazônica – ocultados, desconhecidos, desprezados ou ignorados por aqueles que os olham. A pintura é repleta de libido, rebela-se contra formas uníssonas, explodindo e pulsando a tensão de lutas materiais, culturais, espirituais, políticas e éticas. Misturam-se arquétipos com narrativas visionárias, utópicas e anti-hegemônicas.

A visualidade é violentada por uma amedrontadora selva semiótica de vozes sincréticas. O artista aborda desde temáticas domésticas e psicológicas acerca do amor, da família e da espiritualidade até a realidade do seu cotidiano na Amazônia brasileira...  Nessa realidade, encontram-se como inimigos coronéis (tradicionais figuras oligárquicas brasileiras), preconceitos raciais e culturais, invasões de terra, tratores, industrialização, mineiros e carvoeiros desmatadores. Nota-se um generoso hibridismo cultural que flerta com filosofia, esoterismo, literatura, religiões, psicologia, política e tantas outras formas de saber.
Por necessidade interior, sua auto exposição é visceral. O artista coloca-se como testemunha e personagem de sua batalha pictórica, emprestando o seu corpo e o de sua parceira ao ataque às instituições. Ambos experimentam, com a carnalidade de suas tintas, as dores da violência física e cultural, a opressão do silêncio e da incompreensão, a angústia de trabalhos forçados e a resistência. Por meio de arquétipos e símbolos obscuros – sublimes e subliminares –, Martins de Melo retrata, com teatralidade, a poética do exílio e, com catarse, as lutas pós-coloniais.

Com profundo comprometimento artístico, Martins de Melo encarna os tabus e preconceitos ou recorre a heróis afrocaboclos, camponeses e indígenas para tentar compreender o que o próprio artista chama como a invenção branca do Brasila reinvenção de Pindorama, a esquizobrasiliana ou psicobrasiliana.
Embora situado em um dos estados da Amazônia brasileira, Martins de Melo parece viver em um inter-local, ou seja, em um lugar de fronteiras do real e irreal. Parece existir um aspecto psicogeográfico do trabalho, onde coexistem uma dimensão metafísica e a projeção de um mundo interior, psicológico, revelados pelos signos e arquétipos presentes em suas obras. O signo pictórico é usado para a quebra de tabus e como ferramenta de comunicação com o invisível, serve como magia, ebó (oferenda) pictórico e materializa os desejos do seu autor.

– Pedro Mendes e Viviane Vazzi

Obras
Vistas da exposição