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08/09 – 08/10 2022

Logo na entrada, o som de bolas de metal tinindo na colisão de umas contra as outras ressoa pela galeria. Por um momento, você se imagina no controle de uma máquina de pinball, como aquelas pintadas por Wayne Thiebaud, em 1962. No entanto, não há nenhuma máquina de fliperama reluzente; há, com efeito, três esculturas de madeiras, sob o título de BAGATELLE, ocupando o espaço. Confeccionadas por um marceneiro parisiense, elas são peças de carvalho branco que reproduzem um tabuleiro de Bagatelle,  um jogo de mesa inventado no século 17 e um dos ancestrais do bilhar e do pachinko japonês. O jogo é composto de um tabuleiro inclinado com bolas que caem dentro de buracos feitos em vários locais, enquanto pinos de latão posicionados em arcos interrompem o caminho das bolas. À primeira vista, os três tabuleiros têm as mesmas características do objeto original: uma escala similar, contornos redondos, esferas metálicas e um mecanismo para lançar as bolas. No entanto, ao olharmos com mais cuidado, percebemos que os pequenos pinos espalhados pelos tabuleiros formam estruturas geométricas diferentes daquelas que aparecem no modelo antigo. De fato, os arcos semicirculares abrem caminho para uma geometria mais complexa. Círculos, diagonais e triângulos são estabelecidos entre os buracos cujo fundo é pintado com cores tradicionalmente associadas com a vanguarda: vermelho, azul, amarelo e verde. As linhas cravejadas traçam os contornos simplificados do corpo de uma mulher, em uma referência ao trou-madame, uma versão medieval do Bagatelle. Elas lembram as ousadas perfurações que cobrem A noiva despida por seus celibatários, mesmo (1934) de Marcel Duchamp. Aqui, o corpo feminino está mais do que nu, ele recebe, com alegria, as bolinhas de metal atiradas pelo disparador. O jogo de Seulgi Lee, que é apresentado como um aparato social, já que permite o uso pelo público (a artista se afasta, de certa forma, da regra “Favor não tocar”), parece cristalizar os primeiros ideais modernistas em seu questionamento da dicotomia dupla entre a arte e a vida, a arte e o artesanato. Para fabricar os tabuleiros, Seulgi Lee confia seus desenhos e suas fotografias do objeto ao artesão. A artista está interessada nas discrepâncias que ocorrem durante a elaboração e a produção do seu trabalho: o rascunho de Seulgi Lee é o resultado de uma primeira interpretação dos modelos antigos que é, então, interpretado pelo marceneiro em uma segunda fase. Essas novas versões esculturais do Bagatelle resultam de uma operação de tradução que a artista preza muito: “Eu tento trabalhar com sistemas de linguagem que lidam com o artesanato. Eu quero oferecer aos artesãos algo que eles já sabem fazer, um objeto que parece simples, mas que ultrapassa, de certa forma, a sua prática usual".

Ao lado desses jogos indecentes, foi instalado um cobertor: U: Friend with whom we used to play stilt (wooden horse) = Old friend (2022, Mendes Wood DM, Bruxelas) ou (U: The water in which an ax has been boiled = tasteless, 2022, Jousse Entreprise, Paris).Estar envolto em palavras e cores é a ambição de U, um conjunto de colchas no qual Seulgi Lee está trabalhando desde 2014. Realizados segundo uma técnica tradicional coreana chamada Nubi (um tipo de acolchoamento forrado), esses objetos têxteis feitos à mão foram costurados, linha por linha, por artesãos em Tongyeong, seguindo uma tradição que possui mais de 500 anos. Essa técnica foi concebida para a manutenção do calor através do ar que circula entre os padrões criados pelo forro de algodão. Esses cobertores eram muito comuns nas casas coreanas até a década de 1980. Figuras simbólicas de animais são costuradas com fio de seda em fragmentos de algodão e podem ser separadas para fins práticos, permitindo que as partes que ficam em contato com o corpo sejam lavadas. Foi então que, na década de 1980, eles começaram a usar simples faixas coloridas como ornamento. Nas composições de Seulgi Lee, as faixas coloridas foram substituídas por uma geometria mais complexa. Como BAGATELLE, cada cobertor opera como a tradução de uma afirmação da tradição oral em uma forma têxtil. Escolhido pela artista por causa de seus elementos fantasiosos e bem-humorados (os subtítulos de cada U são evidências disso), o cobertor “enuncia” um provérbio popular por meio de abstrações coloridas. Entrar no U, uma letra cujo formato também é um receptáculo, significa mergulhar no vernáculo tradicional coreano e sonhar com “tropos” em que pernas de pau (échasses) e machados (haches) proverbiais se encontram, conforme sugere os títulos. Se essas abstrações são testemunhas de um sonho da fusão entre a arte e o artesanato, imaginado pelo modernismo histórico, elas também rejeitam, ao fazer referência à funcionalidade, o sonho de uma abstração intransitiva que emergiu no formalismo da segunda metade do século 20.  Mais uma vez, na galeria Jousse Entreprise, Seulgi Lee confronta o público com um símbolo modernista, assumindo uma posição resolutamente antinarrativa e enaltecendo o plano e a fronte por meio de uma imensa grade de madeira suspensa pelo teto. Aqui, a grade de Mondrian é observada por baixo e não pela frente. Dúzias de ripas se entrecruzam, suspensas no ar, evocando a tradição coreana do Moonsal (uma porta de treliça feita com ripas de madeira entrecruzadas que delimitam o espaço nas casas tradicionais); as linhas entrelaçadas dos caracteres chineses; e o mashrabiya geométrico em exibição no Museu de Arte e Artesanato de Madeira, em Fez (Marrocos), que fascinou Seulgi Lee em uma visita em 2019. Como as bolinhas de BAGATELLE que se movimentam nas estruturas do tabuleiro geométrico, o público caminha por baixo da grade, cujas gradações de cor têm várias origens, como, por exemplo, uma via fluvial artificial na vila coreana de Poseokjeong, fundada no século 8; um afresco romano em Villa di Livia; pinturas decorativas Dancheong, conhecidas pela sua sofisticada policromia; e as vias fluviais da cidade portuária de Incheon. A grade pode ser vista não apenas por baixo, mas também pelo lado. Seu formato e suas cores mudam conforme o público se movimenta. Essa grade, que na história do modernismo ocidental celebra os princípios de autonomia e purificação, agora permite que o vernáculo e o folclore se infiltrem, fazendo referência a várias tradições artesanais ancestrais ao mesmo tempo: a coreana, a marroquina e a da Roma Antiga, sem falar das tradições do Mar Amarelo. Às vezes, só precisamos olhar para cima para viajar no espaço, no tempo e de um campo para o outro na arte e na cultura popular.  

– Marjolaine Lévy

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