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26/11 2022 - 14/01 2023
Back to front and beyond
Novas Pinturas de Varda Caivano
Em sua segunda exposição na Mendes Wood DM, a artista ítalo-argentina Varda Caivano apresenta pinturas novas, produzidas em 2022. Algumas delas viram a luz do dia no México, durante o verão. Outras, em uma escala um pouco maior, foram feitas em Madri. Juntas, elas evidenciam a crescente reputação de Caivano como “uma das melhores pintoras de qualquer idade, de qualquer lugar, hoje” (Barry Schwabsky, ArtForum, 2011).
Os trabalhos feitos no México são o resultado da maneira peculiar e singular de produzir da artista: são trabalhos pintados de trás para frente. É assim que funciona: ajoelhada, Caivano começa a pintar em um pedaço de linho não preparado ou de juta bruta que ela estende na sua frente, no chão do estúdio. A tinta é aplicada na superfície com uma escova, um pedaço de pano ou um spray. Como a tinta é úmida e líquida, a maior parte dela é absorvida pelo linho, ultrapassando o tecido. Depois disso, a artista vira o linho para continuar a trabalhar no verso do tecido, que se torna a parte da frente da pintura. Com linhas feitas com carvão, ela mapeia as manchas que transformam os contornos à medida que a tinta seca. A artista, por assim dizer, sai para pescar. Ela pesca formas distintivas e padrões rítmicos em águas turvas. Espirais e ondas vêm à tona, novas camadas são acrescentadas, e contornos exploratórios indicam possíveis limites da pintura. Pouco a pouco, a partir dessa miríade informe de definições e manchas, emerge uma nova imagem. Uma imagem nunca antes vista. Uma imagem que sempre esteve ali.
Caivano é ótima colorista. Em resposta à intensa luz do sol presente no México e na Espanha, suas pinturas brilham com marrons dourados e verdes-esmeralda. Ao lado de um sol queimando de amarelo e um surpreendente azul-cobalto, essas cores compõem uma paleta vibrante e quase prateada. Tintas metálicas transformam o reflexo da luz a cada movimento do olho. Os efeitos óticos em constante mudança fazem com que partes da imagem despontem e encolham, alternadamente. É estranho que esses tons tão kitsch de cobre, ouro e prata pareçam tão naturais, em vez de industriais, como as escamas brilhantes de um salmão rosa ou de um carapau azul. Cada trabalho parece vibrar, cheio de vida, evocando a sensualidade atmosférica de Pierre Bonnard.
Assim como Bonnard, Caivano trabalha simultaneamente em várias folhas de linho não esticadas. Dessa forma, ela pode determinar de modo mais livre os contornos das suas composições e suas dimensões finais. Quando finalizada, a pintura, com suas bordas brutas e esfarrapadas, é costurada numa tela de linho esticado, deixando uma margem de dois a quatro centímetros. A materialidade rugosa e com aparência de pergaminho da pintura permanece intacta.
A relação entra a imagem pintada e a superfície do suporte e suas bordas irregulares é tão complexa quanto temperamental. Em alguns trabalhos, a imagem se estende para todos os lados. Em outros, uma área não trabalhada envolve o restante dela. Essa condição desolada, incerta, é, sem dúvida, uma parte constitutiva da imagem, mas também funciona como uma membrana, como se o universo da pintura estivesse interconectado com o mundo em geral. É comum as pinturas de Caivano não terem uma circunferência fixa ou uma estrutura definitiva. Cada uma delas está permanentemente negociando uma possível relação com os seus próprios limites, algo que confere aos trabalhos o seu caráter rebelde e independente.
O processo da pintura pode começar a partir de vagas memórias de coisas vistas ou de situações algumas vezes observadas (não dá para ficar mais claro do que isso); no entanto, a representação não é o objetivo. Intenções são transformadas em intensidades; descrições abrem espaço para sugestões. A arte de Caivano evolui como um pensamento, sem um começo claro nem um fim absoluto, como um fluxo de consciência. O processo da pintura muda de direção de maneira imprevisível, é interrompido ou acelerado sem controle. É difícil, se não impossível, acompanhar qual decisão levou a cada novo passo no processo de feitura. Causa e efeito se confundem. No final, cada um desses trabalhos é a conclusão de uma sucessão de gestos cujos propósitos permanecem sem especificação – como se fosse a própria vida, poderíamos acrescentar.
A pintura não é apenas una cosa mentale, como disse Leonardo da Vinci, um esforço conceitual, é também o processamento laborioso de substâncias viscosas e meios líquidos, uma coisa melecada que resulta em mãos sujas. Pintar significa esfregar, apagar, misturar, friccionar, limpar, diluir, retrabalhar e começar tudo de novo. Com cada ação, alguma coisa muda. Com cada gesto, alguma coisa nova vem a ser. Cada etapa marca um momento específico no fluxo contínuo do passar do tempo.
Olhar para essas pinturas é, em todos os seus aspectos, o oposto de dar uma passada de olhos no telefone. A imagem pintada se revela de maneira lenta e progressiva, como se o olho primeiro tivesse que se adaptar a ela. Pouco a pouco, percebemos os vários momentos da sua gênese, a hesitação, o rigor, a confusão, a atenção, todos os estágios sucessivos da articulação pictórica. Vemos como a pintura foi originada, as diferentes camadas da sua concepção; ganhamos, assim, a chance de dar uma espiada exclusiva no interior da pintura (se é que isso existe).
Esse interesse particular na anatomia da pintura remonta às horas que Caivano passou na biblioteca da Academia de Roma, estudando reproduções e fotografias de raios x de grandes obras de Cimabue e de outros artistas medievais e renascentistas. Ali, surgiu a sua fascinação pelo pentimento, ou seja, a presença de imagens, formas ou pinceladas anteriores, imagens que se tornaram visíveis graças ao desvanecimento de certos tipos de pigmentos ou com a ajuda da fotografia infravermelha. O pentimento revela pedaços originais da composição que foram removidos, adaptados ou retrabalhados. Durante o processo da pintura, nada nunca é fixo para sempre, tudo está em perpétuo fluxo. A prática pictórica da Caivano ressoa as tentativas de Jean Fautrier, Max Ernst, Arshile Gorky e de outros pioneiros do modernismo com certas tendências espeleológicas, conhecidos pelas suas investigações profundas sobre as origens mais escuras da pintura.
O empenho judicioso e sensível de Caivano em direção a um espaço pictórico puro é uma jornada a um mundo de encantos, mistérios e fantasmas ainda por serem identificados. Assim como o trabalho das suas colegas pintoras Rezi van Lankveld e Amy Sillman, suas pinturas parecem existir num estado nascente, num permanente devir. Elas nos mostram o esplendor do maravilhoso potencial das coisas por vir, como uma lua crescente exposta à clara luz do dia. -Dominic van den Boogerd Varda Caivano (1971) e Dominic van den Boogerd (1959) se conheceram em 2006 quando trabalharam como professoras no renomado Instituto de Pós-Graduação De Ateliers em Amsterdã. Pintura é um dos temas centrais das suas contínuas conversas no estúdio.
-Dominic van den Boogerd
Varda Caivano (1971) e Dominic van den Boogerd (1959) se conheceram em 2006 quando trabalharam como professoras no renomado Instituto de Pós-Graduação De Ateliers em Amsterdã. Pintura é um dos temas centrais das suas contínuas conversas no estúdio.