Vistas da exposição







Texto
Exposição
11/08 2012 – 25/08 2012
Mendes Wood DM tem o prazer de anunciar Exposição, a mostra individual do artista brasileiro Theo Craveiro. Nascido em 1983, Craveiro vive e trabalha em São Paulo. Representado pela galeria, já teve uma mostra individual na Mendes Wood em 2011, participou da 12a Bienal de Istambul, Istambul, Turquia (2011) e do 17o Festival Internacional de Arte Contemporânea SESC_Videobrasil, São Paulo, Brasil (2011). Possui obras que integram o acervo permanente do Museu de Arte Contemporânea, São Paulo, (MAC-SP) e outras importantes coleções privadas.
Paulo Miyada escreve:
Por um lado, um espaço expositivo é apenas um entre os diversos lugares que compõem o tecido das cidades, mais uma entre as construções, de posse pública ou privada, acessíveis aos transeuntes. Por outro, algo nesse lugar sugere um padrão de comportamento ao seu público. É notável a presença de certo silêncio, do ritmo de caminhada repleto de pausas e da hiperatividade do olhar, atributos que se imprimem na atitude de grande parte dos visitantes pelo simples fato de estarem advertidamente diante de obras de arte. Seria possível traçar uma genealogia dos motivos pelos quais a arte necessita desse tipo de atenção, que oscila entre a astúcia do perito criminal, o deslumbramento do turista e a humildade do crente religioso. É possível também, como parece ser o caso da Exposição de Theo Craveiro, especular sobre quais são os princípios desse tipo de espaço, desse tipo de produção e desse modo de pensar.
Primeiro, os atributos de um espaço expositivo – qualquer que seja sua forma, sua arquitetura – não correspondem com aqueles das ruas da cidade. Assume-se que o espaço ordinário resulta de uma sobreposição circunstancial de eventos que podem ou não carregar sentidos além da sua funcionalidade, dependendo da atenção do espectador. Já o lugar da arte, em princípio, não se dá involutariamente, sendo resultado de um desejo expositivo por parte de alguém, o que pressupõe uma certa gama de escolhas, ênfases e cadeias de sentido. Tal diferenciação existe mesmo que, a rigor, todas as coisas do mundo possam ser interpretadas segundo critérios estéticos, o que sugere a importância do espaço expositivo como lugar onde o fluxo contínuo da rua e da vida se interrompem, liberando o corpo para estar junto, de forma atenta, a um conjunto de significantes. Talvez seja nessa distinção entre o espaço ordinário e o expositivo que se encontre uma particularização da arte como modo específico de conhecimento e emprego da linguagem.
Existe uma convenção subliminar de que a arte ocupa um lugar de exceção, onde certas regras de finalidade e produtividade podem estar em suspenso. Este acordo permanece em contínua disputa, tanto pelas iniciativas que acreditam no transbordamento da arte para os mais variados campos da vida como pelos discursos críticos que denunciam os momentos em que a arte corresponde perfeitamente à estrutura produtiva de seu tempo. Mais do que refutar a sua existência ou celebrá-la, Craveiro testa os limites desse pacto com intervenções e imagens que procuram refletir sobre os atributos dos espaços expositivos e de um modo de pensar próprio da arte.
Os elementos característicos de displays expositivos são pontos de partida para essa espécie de ontologia da exposição – pensamento sobre seu ser, sua essência – apresentando-se como materiais em si mesmos. Vitrines, molduras, bases e caixas, entendidos normalmente como suportes transparentes para obras e documentos, são utilizados como significantes por si mesmos, ora encerrando artificialmente um turbilhão de águas, ora falhando em conter um volume líquido aparentemente estável porém em constante infiltração pela parede da sala. Um requadro metálico cerca uma planta, duplicando a moldura da galeria e contendo uma ilegalidade implicada pela simples posse de uma espécie que, em qualquer outro contexto, seria necessariamente indício de uma infração penal. Neste último caso, permanecerão em aberto os limites do mecanismo de enquadramento oferecido pela arte – será ele suficiente para liberar o trabalho artístico das implicações jurídicas de sua materialidade?
Trata-se de uma pergunta fundamental, não só pelo que tem de anedótico, mas pela maneira como aponta para uma fissura central na compreensão do isolamento do espaço expositivo. Sua relativa autonomia em relação aos contratos sociais vigentes tem importância histórica para garantir sua liberação do fluxo constante de finalidades que pautam uma sociedade regida pelo lucro, pelo trabalho e pela produtividade. Porém, sua ausência de finalidade ganha sentido justamente na medida em que sua realização se infiltra em outros campos da vida e nos faz rever os contratos e as normas ou lança dúvida sobre a finalidade da nossa aparente produtividade. Não é sem motivo que Theo Craveiro selecionou esta como a epígrafe de seu ensaio sobre Exposição:
“Os únicos objetos que parecem destituídos de fim são os objetos estéticos, por um lado, e os homens, por outro. Deles não podemos perguntar com que finalidade? Para que servem? Pois não servem para nada. Mas a ausência de fim da arte, tem o fim de fazer com que os homens se sintam em casa no mundo” – Hannah Arendt.
As operações simples empregadas por Theo Craveiro, tanto na sua Exposição como em outros momentos de sua trajetória, voltam-se para as materialidades e os sentidos que constituem as coisas para testá-las, tornando-as inúteis ao extrapolar suas próprias qualidades. Uma taça cuja ergonomia sugere que uma mão a segure, se apertada com mais força, cede à pressão e converte-se em fragmentos. Uma moeda, com suas faces antagônicas, quando dividida por um corte simétrico, deixa ver seus dois lados simultaneamente, mas perde seu valor original (além de ganhar mais um par de faces). Um ovo aberto com tal delicadeza que preserva intacta a estrutura de seu invólucro, ainda assim torna-se inútil como recipiente fechado. Cada vocação, ao desenrolar-se sobre si mesma, abre espaço para um desconhecido.
Uma longa travessia a nado pelo mar que separa duas praias conclui esta etapa como uma parábola da Exposição. Gesto longo, recoberto pelo escuro da madrugada, coloca em questão a ideia de finalidade e encena a procura pelo lugar que cada coisa busca para poder, simplesmente, existir. Na palavra escolhida pelo artista, um exercício de enteléquia, uma procura de um estar em acontecimento e permanecer igual, de um avançar em repouso.