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13/06 - 18/07 2020

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O mundo da arte e o mundo em geral estão diante dos turbulentos e históricos eventos das últimas semanas. Pessoas e comunidades marginalizadas do mundo todo protestam contra o racismo sistêmico, a opressão social e a brutalidade policial. Ao mesmo tempo que nos questionamos, tanto individual quanto coletivamente, sobre nossas atitudes e a sociedade em que vivemos, não podemos deixar de admirar a coragem e a convicção necessárias para se fazer ouvir.  

Desde o seu nascimento, a Mendes Wood DM tem sido uma plataforma para artistas radicais e engajados, muitos dos quais são provenientes de minorias ou vivem na fronteira das tendências dominantes da nossa sociedade. Como galeria de arte, aspiramos amplificar a voz desses artistas, que nos provocam e inspiram importantes reflexões sobre o tecido social e sobre quem somos. Alguns artistas introduzem humor face à adversidade, enquanto outros produzem assertivas mais diretas sobre o meio ambiente ou contra a opressão. Por meio de práticas formais e conceituais, eles, cada um à sua maneira, caminham na contramão, instando-nos a olhar para o status quo através de suas lentes.

Tomando como ponto de partida a ideia de coragem, tanto em termos artísticos quanto políticos, a exposição pega emprestado o seu título de um trabalho de Adriano Costa chamado EnormousBalls (2016), uma escultura irônica que nos urge – quase literalmente – a reconsiderar o poder da linguagem; neste caso, a implicação sexista de que a coragem está de alguma forma ligada à masculinidade. O trabalho de Costa, que com frequência recebe títulos provocativos, é conhecido pela forma como questiona normas sociais, raça, papéis de gênero e sexualidade de maneira bem-humorada e complexa, muitas vezes flertando com as tensões e os estigmas da comunidade gay. Artistas como Costa, ao lado de outros artistas presentes nesta mostra, propõem perguntas difíceis, colocando as suas próprias crenças em jogo.

Os trabalhos de Fernando Marques Penteado também lidam de forma potente com a questão dos papéis de gênero, não apenas no seu conteúdo, mas também por meio do uso do bordado, um suporte tradicionalmente visto como “feminino”.

As esculturas e instalações poéticas de Sonia Gomes e seu entrelaçamento de vários materiais têxteis – que são hoje exibidas nos mais importantes museus e bienais do mundo – falam de uma vida vivida à sombra do racismo e do machismo, como artista negra brasileira. Na mesma linha, mas usando um vernáculo completamente diferente, a obra de Paulo Nazareth também é guiada pela sua própria experiência de racismo no Brasil e pelos efeitos da colonização e da opressão das pessoas de cor ao redor do mundo.

A grande escultura de Michael Dean, LOL (Working Title) (2018), que fez parte da individual do artista no BALTIC Centre for Contemporary Art, em Gateshead, na Inglaterra, no mesmo ano, incorpora, de modo formal, itens cotidianos, tais como embalagens de leite, com o intuito de fazer um comentário sobre o salário mínimo britânico. Conforme a atual pandemia faz com que o nível de desemprego dispare em tantos países, afetando, de maneira desproporcional, as comunidades marginalizadas, as discussões sobre os salários e sobre o fosso entre ricos e pobres tornam-se hoje mais urgentes do que nunca.

Celso Renato e Amadeo Luciano Lorenzato foram quase contemporâneos, nascidos no início do século XX. Apesar de suas origens diferentes, ambos se tornaram artistas autodidatas, desenvolvendo o seu próprio estilo e linguagem, introduzindo um trabalho audacioso fora de qualquer corrente artística tradicional, numa época em que as infraestruturas e os pontos de vista culturais dominantes eram quase totalmente europeus ou estadunidenses. Para ambos os artistas, o sucesso veio tarde demais, se é que chegou. Renato apenas recebeu o reconhecimento que merecia na última década da sua vida, enquanto Lorenzato continuou desconhecido fora do Brasil até depois da sua morte. Por seu turno, Kishio Suga, outro artista histórico com quem trabalhamos, deixou uma marca indelével na história da arte, construindo as bases para o movimento que veio a ser conhecido como Mono-ha, uma das expressões artísticas mais radicais do século XX, tão revolucionária quanto a Arte Povera e tão poderosa hoje quanto quando chocou o público pela primeira vez nas décadas de 1960 e 1970.

Solange Pessoa e Paloma Bosquê, apesar de pertencerem a gerações diferentes e terem práticas muito distintas, fizeram escolhas radicais e, de certo modo, “politizaram” o uso dos materiais, optando por ir contra a ideia daquilo que é tradicionalmente considerado belas-artes. Por anos à margem do sistema da arte, numa época em que pouquíssimas pessoas entendiam a sua obra, os trabalhos mais audaciosos de Pessoa incorporam desde sangue e vísceras até ossos, terra, pedras, pigmentos naturais e penas de galinha, em uma tentativa poética e visceral de reconectar a espécie humana com o planeta como um todo e com o solo, ao qual todos nós retornaremos um dia. Por sua vez, Bosquê cria arranjos poéticos radicais com combinações inusitadas de componentes, tais como cobre, feltro, bronze, carvão, resina de goma, cera de abelha, tripa bovina, papel Kraft, filtros de café e lã. Enquanto isso, Marina Perez Simão pinta composições abstratas. Embora, na tradição ocidental, esse meio tenha sido o domínio de artistas homens, hoje as pintoras abstratas começam a receber o crédito que merecem, apesar de muitas delas postumamente.

Em uma época em que ações e protestos sociais têm tomado a dianteira, muitos artistas, entre eles Lucas Arruda, estão produzindo trabalhos que colocam a introspecção como uma parte fundamental da equação. O trabalho de Arruda encontra refúgio em paisagens meditativas, quase espirituais, como fonte de inspiração e liberdade artística.

Introspecção e ambientalismo se encontram no cerne da instalação site specific de Adriano Costa, New Contemporaries – tea time (2015), uma parede repleta de camisetas brancas com a palavra “Ayahuasca” impressa de diferentes formas. O trabalho, além de ser um comentário sobre a maneira como o mundo branco ocidental mercantiliza importantes rituais espirituais indígenas, é também um desolador lamento contra a destruição dessas regiões indígenas na América do Sul por governos e corporações.

O trabalho de Daniel Steegmann Mangrané se baseia no difícil diálogo entre matemática e natureza. O meio ambiente é o tema predominante de grande parte da sua obra. Como um ardente e engajado ambientalista, o seu trabalho algumas vezes nos confronta com a beleza do mundo natural, outras vezes, segura um espelho na nossa frente para que a sociedade se veja refletida, forçando-nos a pensar sobre os danos que causamos ao planeta.

À medida que eventos mundiais ativam ainda mais as vozes dissonantes na imprensa, fazendo com que muitos de nós questionem a veracidade das narrativas às quais somos sujeitados, artistas como Leticia Ramos e Iulia Nistor adotam abordagens conceituais similares em seus trabalhos. Por meio de técnicas fotográficas meticulosas e, muitas vezes, extravagantemente idiossincráticas, Ramos subverte o papel original da fotografia como espelho da verdade e da realidade para questionar se as narrativas que ela nos apresenta são reais, falsas ou ambos. Por sua vez, Nistor produz obras que se dão no processo visual de trazer à tona, para a superfície, aquilo que está oculto, expondo coisas que podemos não ver em um primeiro momento. O trabalho de Nina Canell também nos revela aquilo que não vemos ou que não necessariamente consideramos, tais como as suas esculturas feitas dos mesmos fios que alimentam a rede Wi-Fi e, por sua vez, as plataformas das redes sociais, que hoje causam um impacto tão fundamental nos eventos globais, tanto para o mal quanto para o bem.

As divertidas, coloridas e irreverentes obras de Matthew Lutz-Kinoy são compostas por densas camadas de referências de gênero e sexualidade, bem como por pesquisas e citações históricas que enfatizam personagens da contracultura que, de certa forma, conseguiram criar as suas próprias identidades em uma época em que isso era praticamente impossível, tais como Madame de Pompadour, amante do Rei Luís XV, assessora política e influente mecenas das artes.

O vídeo de Luiz Roque, Zero (2019), é uma narrativa surreal na qual um jatinho particular sobrevoa aquilo que parece ser uma paisagem desolada e pós-apocalíptica e uma cidade de Dubai perturbadoramente vazia. Não vemos nenhuma pessoa, nem mesmo o piloto da aeronave, apenas um cachorro que acorda sozinho no assento de couro do avião. Conforme a música pulsante alcança um crescendo, nós nos perguntamos se o avião irá por ventura pousar ou se isso é tudo o que resta do mundo, um único jatinho privado, um vestígio da riqueza e do poder de outrora, sem ninguém mais na terra para avistá-lo no céu.

Em contraposição a essa sensação de desesperança e ansiedade, temos a produção de Patrícia Leite, que nos mostra que ainda há luz no fim do túnel. Seus trabalhos são o antídoto bem-vindo que tantos de nós buscamos neste momento. Por meio da sua meticulosa prática de adicionar camadas, enquanto pinta vastas expansões de terra, céu e mar, a artista nos mostra como as luzes mais brilhantes podem ser fortes o suficiente para alcançar mesmo a escuridão mais profunda da paisagem noturna, a despeito daquilo que podemos acreditar.    

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