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03/03 – 29/04 2017

Algo que, à primeira vista, parece uma combinação inusitada – as pinturas de datas do grande existencialista do conceptualismo, On Kawara (falecido em 2014), e os quadros de um pintor brasileiro, nascido em 1980, que se interessa predominantemente pela representação de linhas do horizonte de um litoral imaginário – é, na verdade, bastante, se não avassaladoramente, relevante. O primeiro ponto de contato, e talvez o mais óbvio, é a repetição e a variação dessa repetição. Enquanto Kawara é conhecido por retratar datas no dia da data, Lucas Arruda é, em grande parte, embora não somente, comprometido com a repetição do mesmo tema.  Em ambos os casos, os trabalhos apontam para a prática diária de fazer arte, não necessariamente como um fim em si mesmo, mas como uma forma de negociar a vida num sentido mais geral, e ainda assim fundamental. Embora ambos os artistas busquem capturar, ou talvez celebrar, a passagem daquilo que eles representam – dias e horizontes, respectivamente –, eles flutuam para além da compreensão das pinturas com a inexorabilidade de um memento mori. Portanto, a missão do trabalho pode ser localizada, ao menos em parte, na sua falha em capturar aquilo que não pode ser capturado. Outro lado é o suposto trauma no cerne de ambas as obras, pois sabe-se que a repetição, pelo menos no que diz respeito a Freud, sempre aponta para um trauma. No entanto, embora os trabalhos de Kawara e Arruda sejam, em graus variáveis, autobiográficos, o conteúdo exato de suas respectivas autobiografias é irrelevante. O que importa é a compulsão profundamente humana que os evidencia. Fica claro que essa compulsão é a busca altamente existencial de propósito, que é destilada por ambos os artistas até a sua essência. Pode-se dizer que ao destilar essa busca em um tema pictórico, eles estão colocando-a entre parênteses – suspendendo-a de fato – e transformando essa compulsão em absurdo. Mas quando tudo é dito e feito, o que fica suspenso é o barulho ao seu redor, pois uma coisa essas obras têm incontestavelmente em comum: a capacidade de criar silêncio, de conter e transmitir o estado de espírito meditativo que marcou sua própria criação. Quando digo criação, quero dizer o estado inteiramente absorvido de fazer e criar. Pois é bastante conhecido o fato de Kawara ter pessoalmente pintado, com uma precisão preternatural, suas pinturas de datas. E o fato, a feitura do fazer, é evidente nas imagens de Arruda. Portanto, apesar do trauma em seu âmago – um trauma que eu suspeito ter menos a ver com uma experiência pessoal do que com o simples fato de ter nascido –, o paradoxo compartilhado nesses trabalhos é a coisa do silêncio. Esses quadros são capazes de engendrar uma calma extraordinária e, se deixarmos, uma paz profundamente humana e meditativa.

– Chris Sharp

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