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Mendes Wood DM apresenta a exposição individual de Castiel Vitorino Brasileiro, Remember when we talked about meeting again [Lembre-se de quando falamos sobre nos encontrarmos de novo], um título que se refere tanto ao início de uma conversa quanto à recordação de uma profecia essencial. A exposição reúne fotografias e um trabalho com vídeo e pinturas a óleo, ao lado de uma instalação site-specific feita com terra preta, articulando mistérios intangíveis e materialidades radicais ao considerar temas como metamorfose e encontros transformativos.

O trabalho de Brasileiro entrelaça visões espirituais baseadas em matrizes de origem banto, da diáspora negra brasileira, com a astrofísica especulativa e com o seu próprio trabalho como psicóloga. Centrada na noção de cura como um estado transicional de liberdade, sua produção está ligada a noções de transmutação e hibridismo, como um caminho verdadeiro em direção à saúde. Ela adota dinâmicas de movimento e mutabilidade como veredas para repensar os efeitos persistentes da colonização e da modernidade e seus impulsos opressores e inflexíveis. Acima de tudo, a prática da artista revela estratégias para conjurar conexões valiosas por meio de uma autonomia espiritual, social e emocional.

No vídeo e nas performances de fotos, seu corpo aparece em diferentes estágios e cenários, sempre envolvido em processos profundos e vitais. Essas imagens magnéticas surgem como belas visualidades e conceitos complexos. Funcionando, simultaneamente, como talismãs e ferramentas conceituais, as imagens podem influenciar mudanças cognitivas, diluindo dicotomias construídas em relação a raça, gênero e sexualidade, mas também ecoando relações entre espécies interplanetárias, tensionando, portanto, os limites entre o humano e o ambiental, a cultura e a natureza, o terreno e o extraterrestre, o físico e o etéreo.

Em Hibisco (2019), a imagem nos absorve em uma cena interior intensa, um momento poderoso de transmutação, relacionado a um campo de energia expandido que conecta a forte fisicalidade que vemos com uma dimensão intangível. A fotografia em grande escala mostra a artista deitada na cama do seu avô em um lar para idosos, com garrafas de vidro e ervas no pano de fundo, tudo envolvido em uma bruma roxeada. Flores de hibisco secas e gengibre aparecem gentilmente colocados sobre o seu corpo, enquanto ela derrama chá de hibisco em seu torso. Brasileiro escolhe os elementos com cuidado. Gengibre é uma raiz conhecida por suas qualidades purificadoras; na tradição banto brasileira, o hibisco é usado como um elemento equilibrador. Para Brasileiro, esse ritual é um caminho em direção ao equilíbrio com os seus ancestrais, para tratar dos traumas corporais, da relação com o seu avô e das suas experiências relacionadas à violência de gênero.

As pinturas, extraídas de duas séries de trabalhos de Brasileiro, são imbuídas de uma linguagem insólita e formadas por fortes campos de cor, gestos expressivos e palavras e letras do português, espanhol, inglês e kimbundu, ao lado de símbolos da cultura afro-brasileira. Pintadas à tarde, enquanto a artista observava a esfera celestial passando por dramáticos pores do sol, as composições estão ligadas a investigações sobre origem, transformação, identidade, além de estarem ligadas a noções expandidas sobre o ciclo da vida. Brasileiro invoca forças coletivas, que ela canaliza com suas mãos e palavras, enfatizando manifestações plurais e o desejo das multidões. Como resultado, as pinturas nos permitem ver as diferentes possibilidades de manifestação da luz, da gravidade e das massas em movimentos, em um turbilhão de expressões viscerais.  

Em meio às pinturas, um caminho de terra serpenteia o espaço expositivo. Cartazes fixos irrompem do caminho lembrando vibrantes portais. O material orgânico percorre a galeria, culminando em um sol lilás ao chegar até a parede. Como se fosse consagrado por um ritual, o trabalho exala uma energia intensa, servindo de base para uma acumulação de histórias e gestos, envolvendo o espectador em uma experiência corporal e metafísica.

Trabalhos da série Corpoflor (desde 2016), de Brasileiro, funcionam como uma ontologia dinâmica e experimental, ou seja, uma investigação sobre o fluxo de memórias e afetos que emerge da interioridade da artista, no qual a performatividade do corpo dá contornos externos a processos internos inomináveis. Portanto, esses autorretratos são estudos sobre gênero, desejo, músculo, fluido, temperatura e todos os fenômenos que acontecem dentro de um corpo e que não podem ser explicados em sua totalidade. Os dois trabalhos em exibição são as mais recentes obras da série Corpoflor realizadas em Alcântara, uma cidade no litoral maranhense cujo contexto é marcado por uma profunda história ancestral, apresentando um grande número de quilombos e impressionantes ruínas coloniais, além de abrigar hoje o Centro Espacial Brasileiro e um centro de lançamento. Brasileiro aparece em Corpoflor com o corpo pintado em preto e branco como se fosse um vocabulário vivo, montada em uma motocicleta com a placa de Exu, vestida com penas coloridas e um adereço na cabeça. O veículo representa a transição para a incorporação de Exu, o orixá das ruas e das encruzilhadas, ligado à comunicação e à linguagem, que serve como um mensageiro e mediador entre humanos e entidades. Seu corpo está totalmente integrado ao seu ambiente, aos ornamentos coloridos, à moto, à luz artificial e à matéria escura da noite.  

Esses trabalhos vêm de uma promessa que a artista fez para si mesma: a de continuar a transmutar, como uma espécie de hibridismo radical, por meio de diferentes vidas, domínios e mundos. Toda vez que um Corpoflor aparece, ele dá luz a um novo corpo, a uma nova configuração e aparência, uma mistura de sinais, símbolos, cores e textura – um novo modo de existência. A artista escreve, “Todo Corpoflor é uma faísca que se dá dentro de mim, que aparece para me relembrar que eu posso sempre adotar formas de vida nunca antes imaginadas por mim ou para mim. Essas imagens são criadas como um ritual que me dá energia para continuar caminhando neste mundo dos vivos e no mundo dos mortos”.

Desde sublimações espirituais até a transfiguração da carne, a ontologia que emerge do trabalho de Castiel Vitorino Brasileiro sugere o aparecimento de uma nova linguagem, ampliando conhecimentos sobre a natureza da vida, a condição humana e a agência dos não humanos. Em suas empreitadas na espiral do tempo, Brasileiro estabelece contatos com poderes terrenos e celestiais, intercambiando energias para criar uniões verdadeiras.

– Germano Dushá
 
 

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