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19/03 - 16/04 2022
A Mendes Wood DM tem o prazer de apresentar a primeira individual de Adriano Costa em Bruxelas. Com desenhos, esculturas e instalações em técnica mista, a exposição propõe introduzir aos visitantes o estranho e maravilhoso universo de signos e significados que Costa habita – um universo ultrajante, irreverente e engraçado ao mesmo tempo que comovente, poético e político.
O ponto de partida conceitual desta exposição é o cultuado disco da banda The Shaggs, dos anos 1960, chamado Philosophy of the World [Filosofia do Mundo]. Outsiders autodidatas, a banda era composta por três irmãs que foram forçadas a tocar música pelo pai. De acordo com os padrões convencionais, poderíamos até dizer que o disco é o pior trabalho musical transformado em vinil da história da música. Com as irmãs mal sabendo cantar ou tocar seus instrumentos, o conjunto resultante de faixas é uma cacofonia fora de ritmo e desafinada. Misteriosamente ou, talvez, miraculosamente, a música vem acompanhada de letras, cuja simplicidade crua e trêmula, quase coisa de criança, revela uma profundidade de sentimento tanto estranha quanto inesperada, que pouco a pouco passa a provocar apreço. O rock star Frank Zappa tocou The Shaggs no rádio, enquanto o legendário crítico e escritor de música Lester Bangs declarou que elas “eram melhores do que os Beatles”.
De várias maneiras, o trabalho de Adriano Costa, que também mistura o ridículo e o sublime, ressoa essa história bizarra. Ele compila e transmuta fragmentos dissonantes da sua própria vida, de seu ambiente material e espiritual e objetos cotidianos, materializando ideias inesperadamente complexas e combinações estéticas que seguem uma lógica não linear, singular ao seu próprio entendimento de mundo, assim como faz a música de The Shaggs.
Apesar do caos aparente, os trabalhos por si sós e a exposição como um todo seguem uma coerente filosofia do absurdo. “Filosofia é algo, tradicionalmente, racional, mas os trabalhos na mostra são, na verdade, mais dadaístas do que qualquer outra coisa. Eles são feitos das coisas mais mundanas e bestas traduzidas em esculturas. É a contaminação da arte erudita com o que há de mais banal. É a minha própria filosofia de mundo. As salas estão cheias de coisas inúteis,” diz o artista. De fato, são máquinas que não funcionam, roupas íntimas e toalhas de banho costuradas em trabalhos de parede, sacos de sapatos Cartier sem sentido e moedores de carne abençoados por xamãs sul-americanos. “Eu sempre faço um pingue-pongue de referências, e isso acontece mais do que nunca nesta exposição”, explica Costa.
Seu trabalho THE ODDS [OS ÍMPARES] (2022) – uma cortina em silkscreen adornada com a hiper-reconhecível fonte da Balenciaga que escreve a frase: “I WILL NOT BE DISAPPOINTED” [NÃO ME DECEPCIONAREI] – reverte a abordagem da relação entre artista e público. Normalmente, é o público que espera não ficar decepcionado por uma exposição, e talvez as The Shaggs soubessem disso quando cantavam em tom de inocência: “You can never please anybody in this world” [Não dá para agradar ninguém neste mundo]. Costa traça aqui um paralelo: “Estou chamando o público a pensar comigo. É como aquela música delas. É um convite. Estou convidando o público para a minha festa”.
Do ultrajante ao poético, talvez o alcance afetivo da mostra de Costa possa ser resumido em dois trabalhos que, de alguma forma, delimitam esse carnaval de opostos. I WATCH TV YOU WATCH TV WE WATCH TV [EU ASSISTO TV VOCÊ ASSISTE TV NÓS ASSISTIMOS TV] (2021) é uma instalação com ar minimalista que usa um elástico de comprimento único, daquele tipo utilizado em roupas íntimas masculinas. Impressa em todo o seu comprimento, lemos uma série de palavras que parecem desconectadas: COWBOY, PET LOVER, RAPPER, TESTICLE PHOTOGRAPHER, DELIGHTFUL ALCOHOLIC [COWBOY, FÃ DE BICHO DE ESTIMAÇÃO, RAPPER, FOTÓGRAFO DE TESTÍCULOS, ALCOÓLATRA ENCANTADOR]. Costa explica: “Eu estava assistindo um programa de TV dos anos 1980 no qual perguntavam para um dos personagens que ‘atividade fantasia’ ele gostaria de fazer. Fiz a mesma pergunta para todos os meus amigos que trabalham na indústria do sexo. Suas respostas estão todas gravadas. A minha favorita é fotógrafo de testículos – é uma atividade muito boa”. O humor nesse trabalho oculta, de forma apenas passageira, um exercício mais sério que se volta para um grupo de pessoas marginalizadas e, por certo, consideradas inapropriadas para um programa de televisão dos anos 1980, para que ofereçam as suas ideias do que seria uma “atividade fantasia” ideal.
VENTO (2022) é uma escultura feita de tecido e palha que faz referência à mitologia dos orixás. A figura de Obaluaê, uma divindade masculina do candomblé, cujo rosto está sempre escondido por uma grossa camada de palha e tecido, é responsável pela vida e morte. “Obaluaê era um homem velho, tímido, porque sua cara era cheia de cicatrizes. Um dia ele estava nadando em um lago quando, de repente, uma mulher chamada Iansã, a mulher mais bela do panteão dos orixás, se aproximou. Ela olhou para ele e, de súbito, ele viu sua verdadeira beleza pela primeira vez. Ele conseguiu ver o que estava atrás da máscara. Para entender a beleza, é preciso desdobrá-la. Para entender o poder, a beleza, a vida e a morte, é preciso desdobrá-los”. “
Quando eu monto uma exposição, eu me coloco em uma posição frágil, mas também sou eu que sigo na frente. Eu acho que o meu trabalho tem isso, mesmo quando estou trabalhando com metal ou roupas, etc. Estou tentando moldar alguma coisa ao mesmo tempo que coloco toda a minha fragilidade naquilo”, explica Costa. “É de foder a cabeça. Pelo menos, é isso que eu espero”.